Entre Parábolas
Um dia hei-de ser dono dos meus próprios acontecimentos. Hei-de acontecer como borboletas no tempo de regressar. Anoitecer num pedaço de luz. Acontecer-me na alegoria das coisas reais e na alegria das coisas poéticas. Por enquanto. Faz de conta. Faz de conta que as palavras embora desmaiadas servem para servir para alguma coisa. Por enquanto. Conto-me contos antes de adormecer. Embalo versos. Algarismos capazes de medir o peso de uma voz com cálculos de tabuada. Por enquanto. Peço ao corpo para não falecer antes de mim. Porque entre parábolas e retalhos em véspera de poesia abundam vestígios de vida baseados nos factos verídicos das tuas ilusões.
Entre parábolas. O cataclismo. De repente instante de querer ser contente… Entre parábolas...
Quem nunca habitou um sonho por engano à beira-mar ou à beira do silêncio? Quantas toneladas mil de gente à mercê dos vazios rasgaram unhas mas aprenderam a soletrar o Inverno à distância de uma fotografia?
Paz de conta que estás em faz contigo mesmo! Como tu também eu trocaria um poema por uma flor. Os meus dois braços por um só abraço. Os meus lábios por um beijo. Os olhos por um olhar qualquer. Seja lá de quem por. For mim tanto faz. Faz de conta que o amor é o engano maior que as palavras. Estas palavras. Desordenadas e mordidas e encardidas e trocadas e erradas. Mas. Alegres em sua fértil e ténue exultação. Como tu. Trocaria. Esta casa. Esta cadeira. Esta cadeia. Esta cama. Esta repetição. Este equívoco de escrever sem seguir a gramática interior de cada sentimento.
Porquanto não escrevo línguas. Analfabeto-me em linguagens. O ponto de partida para entender os meus enganos não é a partida. Não é a quebrada ou a rachada. É a chegada. De quem nunca soube partir para sempre!
Partir. Um vidro. A alma. Partir. As cordas vocais de um grito. Partir seja lá para onde for. Seja lá com quem for. Seja longe ou preto. Seja de rosa ou azul a cor do mundo. Se já te esqueceste de nós. Se já aconteceste no calafrio que os lençóis não conseguem calar.
O espelho. Agora só. Onde me demoro a sair. O espelho. Agora sou eu a serenidade e o contentamento à porta do que ele reflecte. Agora só sementes. A terra. O sol. O sal e o sonho. Sou mar se mentes com mentiras que já não me fazem sorrir. Sou os impensamentos de alguém. Os tambores cardíacos batendo em voz alta no peito. Agora só. As borboletas. Pedaço de luz. Coisas reais. Coisas poéticas. Coisas. Contos que fazem de conta. Algarismos. Parábolas. Vestígios. Sementes. A partida. A chegada. Em véspera de poesia!
O espelho. Agora sou. Asas rastejando bem alto sobre a terra húmida que já não falo. Um dia hei-de ser. Uma noite. Um dia. Como quando o fotógrafo nos disse para sorrir e esqueci.
O espelho. Mostra-me sempre o lado imperfeito. Partes íntimas dos pensamentos que o corpo está proibido de exibir.