Poemosamente
Isto não é poesia
é querer sair com os pés cheios de dança
e não ter um par de caminhos para calçar
é arriscar palavras
onde incêndios aguardam amormecidos
a hora de acordar
Isto não é poesia
é levantar o teu sono com as minhas próprias mãos
e deixá-lo cair cuidadosamente no meu ombro
É ter uma multidão de versos
à volta da boca
e não ter sequer um beijo para declamar
Estar rodeado de nada por todos os lados
e no entanto
reconstruir os remos
e rimar a favor do vento
Isto não é poesia
é o lugar onde o teu sono acaba e a minha pele começa
quando os batuques arrefecem
e gritam contentes a ausência das mãos
O grito
por vezes é apenas isso
silêncio
coagulação do som
Isto não é poesia
é o acto de fotografar uma pedra lançada ao ar
no exacto momento em que ainda é vertigem
Acender nuvens
para que o céu
no seu profundo e ardente vazio
se incendeie também
em gomos de chuva
Incêndios não amam
são inflamáveis
Não fales destes beijos
pendurados nos lábios da luz
nem desta paisagem que levo para casa
debaixo do braço
não fales
Escuta
não sou dos que recorrem à escrita
por falta de senda para percorrer a realidade
escrevo com poemeiras intenções
a intenção de existir
enfrentar o mundo
com um sorriso de combate
Poemosamente
profundo