Nas galerias da memória o esquecimento é única recompensa, o amor surge aparente sob a forma de uma fabulosa punição. Ultrapassas a mera condição de estranho. Atiras beijos em todas as direcções, continuas a desconhecer qual deles chegou inteiro ao destinatário. Escreves baixinho para não fazer barulho. Não vá o ranger do lápis despertar os esqueletos dos fantoches que desenhas na tua alegria paralítica.
O esquecimento, a tua muleta, porque há coisas que só são agradáveis enquanto apagadas.
Só existe um caminho para quem já se esqueceu que as pernas servem para voar. Voar do lado alado da rua.
Pois, andar para trás também é viajar.
Cultivo a recriação de um ontem, aqui, com as sementes do amanhã. Existo para te reconciliar com a tua solidão. Escrevo para me decifrar. Mas é a ti que encontro. O ontem ultrapassado é hoje mais uma ponte por atravessar. Não consegues estabelecer um diálogo sem que o dia logo anoiteça. Se houve palavras. Eram postiças. Se houve amor. Era inventado. Se houve sentimento. Era incompleto. Se houve sonho. Tornou-se realidade no intervalo da alma. Se houve tu e eu. Agora só existe eu e eu. Se houve gente. Sobrepôs-se a distância. Entre o silêncio e o monólogo com o qual entretenho as paredes com aplausos à vida.
Internamente festejo o rio que se fez Tejo e ter na mente uma onda onde nada me prenda. Do mar esperar o teu regresso para domares a braveza das marés. Para domares as feras que mendigam os teus mimos, o corpo das palavras inabitáveis, mas, irresistivelmente vivas!
Pudesses tu ser criança e ter o mundo como um eufemismo!
Quem souber, que me responda!!
Como pode o amor ser uma emoção perpétua, como? Ser caótico e criar uma realidade nítida, como pode? Ser revolto, extremo, punição absoluta, puro, impuro, tímido, infinitamente tímido, derradeiro, desumanamente impetuoso, obscuro, fresco, aceso, vacilante e insuperavelmente amar-go se todas as qualidades atribuíveis ao seu charme te parecem sujeitas ao envelhecimento? Quem souber, que me responda. Oxalá a fractura da viagem não nos arranhe e nem arrepie os sentidos, tomara que o esquecimento não seja a única recompensa, oxalá as palavras consigam ilustrar um combate saudável e arrojado com o enigma que nos convoca a costurar todos os dias um pouco da nossa fractura de esquecimento. Oxalá o futuro não vire costas ao passado e que o presente seja magistralmente, nem mais nem menos, uma emoção perpétua!