Finituridade
Se há coisa que não desejo a ninguém é descascar as nuvens como se laranjas fossem gomos de chuva descendo pela espinha dor sal do mar.
Isto é só poesia. Eu sei.
Morde na minha boca as palavras que se calam nos teus lábios carmudos. Água-me a sede desse doer tão doce. Sim. Isso mesmo. Molha-me. Traz-me um copo cheio como se tivesses soluços no olhar. Lavra. Cultiva-me. Ser penteia os sentimentos. A respiração e a folha em branco em cima da mesa. Não sei porquê. Acho-te mais poética com o cabelo desarrumado.
Enquanto os braços se renderem aos sonos que trazes colados no rosto.
Apanha as pegadas espalhadas pela casa. Amor. Pega-me ao colo com a força da tua vontade. Não quero amarrotar o chão com os meus passos. Se os caminhos continuarem a passar de que nos vale ter tanta pressa? De que me vale. Amor. Tocar a sílaba tónica por entre os dedos ou manchar lençóis com silêncios em contrabaixo ou chamar pelo teu corpo para me ajudar a desmanchar a cama?
Enquanto escrevo isto.
Contagia-me com as tuas asas. Voa-me todo de uma vez ou cai a pique no poema côncavo que cavo aos poucos. Porque se há coisa que não desejo a ninguém é ter insónias na voz e engolir o timbre dos búzios em dó menor.
Enquanto esta carta tiver a data de ontem. Não coloques vírgulas na alma. Nem na poesia.
Semeia o sol por dentro para bronzeares a epiderme do coração. Semeia-o. Na fundura das nuvens já descascadas. E nas pedras que se tornaram corpo. E nos versos que escrevi baixinho para não te adormecer. E nos semáforos inapagados iludindo a cidade.
Enquanto as memórias recuarem até ao presente.
Deixa cair o voo das palavras e dá poesia aos que deixam folhas em branco por não conseguirem terminar o sentimento.
Por hoje.
Finito-me. A Poesia seja convosco!