quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Os astros que outrora galoparam o céu migraram e esqueceram a noção de altitude e longitude no mapa que forjámos para entreter a nossa ingenuidade. Hoje consultei o horóscopo para me salvar do sono inesperado. Suspeito ter dormido tanto que quando chegar a hora não terei já sono para regressar. Estou predestinado aos trabalhos domésticos dos subúrbios do meu quarto. Sento-me e começo a lavar os pratos. Lavo o fumo dos cigarros com água e sabão. Limpo o cinzeiro onde arremesso pedras que me saem pela culatra. Remodelo a coloração da minha velhice ate à raiz do couro capilar. Guardo dentro de garrafas o som rouco da tua voz à velocidade do silêncio. Rapidamente. Começo a envernizar os móveis e as unhas e os lábios e as cicatrizes e as rugas e as pestanas com um lápis da cor do giz. Ainda mais veloz. Dirijo-me ao corredor. Atiro-me ao tanque à queima-roupa. Debruçado no cimento bordado em tons de nódoa. Dou banho ao passado. Esfrego o coração para lhe arrancar o cimento bordado em tons do que já disse. Afinal de contas foi nesse tanque onde estanquei a parte de mim que ao longo de uma fracção de segundo expressou contracções do imprevisível sono no qual o horóscopo é uma bússola avariada. Põe-te a pau com o crepúsculo coração. Não te desperdices descaradamente. Põe-te a pau com o vício incurável onde te encontras barricado.

O tempo é a distância de um abraço em cujos braços não se tocam.

Pudesse eu fazer arte da tua história pelo menos na parte em que partir não foi o começo das horas postiças. Quando já tínhamos chegado ao fim. E a ilusão nos impeliu a continuar a cavar o céu.

Mudo a água das jarras. Provo um trago. Bebo sem moderação até atingir a lucidez. Continuo demente entreaberta. Interrogativamente com passos em zigue-zague mas de olhos vivaços.

A loucura se for uma obra-prima muda de nome. É razão!

Cala-te boca. Não tarda muito terás a língua electrocutada num riscar de olhos. Cala-te. Onde está a explosão de beijos que dei ao espelho até ferir os lábios de cansaço? Onde está o açúcar aromático que me prometeste para polvilhar estes parêntesis que abro entre palavras que nunca se fecham? Não me provoques só realidade nem metáforas exageradas com insinuações grotescas de amores que não são. Prova-me a essência da ilusão primitiva. Reprova-me se o que faço é enganar o estômago fazendo palavras cruzadas que se cruzam com fotografias amachucadas que tento consertar com golpes de formosura.

Arrasto-me novamente até ao quarto. Modero a minha altitude perante a vida. Contemplo o tempo que me resta para terminar o poema. Tudo o que ficou por limpar. Os quadros, as molduras. As baratas. Aliás. As molduras baratas compradas na feira da ladra. As rugas no resto de sonho. O telefone que nunca me ligou. Os retratos em segunda mão. Os lençóis manchados de. Não vou dizer. As alegrias tímidas. A língua túmida fechada dentro da toca. Os tijolos que fazem de mesa. Os tapetes que uso para tapar os buracos. O cabelo esbranquiçado desmascarando a minha verdadeira cidade. Embrulho tudo dentro do bolso. E mudo de idade. Para onde não vou dizer.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A morte é caminho de ida e revolta.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Versículos

Adormece-me para sempre. Acorda-me de vez em quando para respirar o perfume dos lírios. Segura com os dentes os pilares sísmicos das noites tatuadas com a seiva da insónia. Seduz-me a alma e a intuição. Senta-te no colo das nuvens. Ferve os aguaceiros que sobem pelo céu acima. Lambe uma palavra. Absoluta. Atravessa o teu travesseiro. Vomita os rascunhos dela. Afaga os insectos que dançam à volta da lâmpada enferrujada no telhado frágil sempre perto de desabar em cima das nossas utopias convulsivas. Estou longe de remendar os alicerces da nossa única casa. Comigo. Mas estou perto de atirar sonhos usados contra as portas da casa. Comigo. Longe de entornar os fluidos dos nossos corpos no chão desta casa. Comigo. Porque ter-te-ia pedido. Porém. Perdoa-me por não te ter amado ontem como amo hoje a tua ausência. Por não teres escapado ilesa aos versos e versículos afiados deste desafio que é domar os capítulos do quotidiano. Não irei à tua procura. Nem que as palavras se afoguem nas marés. Os cromossomas da saudade se afoguem nesta gritaria hereditária. As fogueiras se apaguem em metades de um infinito vestido de lã terna iluminando com seus rasgos de luz ternos e macios o coração que bate e embate contra o peito. Está dito. Nem um só soneto pior que a ementa. Nada direi. Mesmo que não aceites o meu alfabeto. Semearei uma gota de água na tua sede. Plantarei uma floresta dentro de casa. Comigo. Nada direi. Não vais precisar mais do que metade do infinito para me ressuscitar. Foste. És. Serás. Próspera. Um caso ao acaso. Areia movediça. Áspera. Volúvel. À espera de um milímetro de oásis. E se houver lágrima. Atravessá-la-emos. Se houver uma casa. Vestir-me-ei com as tuas cortinas de lã. Dar-te-ei de beber água em pó. Juntos. Mudaremos as fraldas aos poemas melancólicos.
Porque tristeza é ler uma emoção e achá-la triste por ser bonita!
Porque nada direi. Porque nadarei até que as forças me percam os braços. De resto. Só isso. Juntos. Deitados à beira-amar. Enumerando as estrelas no tecto. Supondo dar um fim ao fim do que é doce e breve. Nada direi. Ainda que me obrigues a beber o mar de uma só vez. E que continuemos cúmplices do simulacro dos poemas que tens achado. Frígidos. Sem pontos erógenos. E sísmicos. E amnésicos. E pejorativos. E impulsivos. E só isso. Pois. Nada direi. Sobre este dormitório. Onde as paredes são húmidas de alto a baixo. Onde. Há bolor nos livros por ler. Onde. Lâmpadas enferrujadas criam a ilusão de luz. Onde. Construímos versículos de água em pó. À beira-Amar.