quarta-feira, 17 de junho de 2009

Contraprosa

Semeei água nos vasos para ver germinar um rio. Pendurei o caminho ao pescoço para não perder de vista os passos que me andam cá dentro. Esfreguei gindungo nos olhos para ver arder a pólvora que trazes na ponta da língua. Tenho olhos de palma açucarando o refogado das nossas guloseimas. Cesariana de versos alinhavados entre vírgulas e noites insonoras sem outro paladar.

Tenho vontade de aparafusar poemas nas paredes e pôr um ponto afinal nesta pintura feita de despedidas caminhos-de-ferro e alguns cais de embarque pintados de fresco.

Como quem respira por telepatia. Desembrulho-me peça a peça. Dispo fôlego pelos poros. Deixo-me subir em contra mão de cima para baixo. E nada disso é. Porque a qualquer momento pode ser domingo. A qualquer instante a prosa pode dizer de mim o que não quero escrever enquanto a mão prepara a azagaia para assediar corações com raios de preguiça. A qualquer momento o fim pode chegar ao sonho e o ponto além de nós pode nos mudar de página sem termos terminado este parágrafo.

A qualquer corpo de rua num instante rápido de amor que não dá momento para monologar sorrisos.

Pois. Nunca se diz os maus hábitos das coisas que não falam. Habitua-te! Estou aceso com uma insónia enfiada nos olhos. Oh! Estou nada disso do que disse. Habitua-te a resistir sem deixar que o amanhecer seguinte se apague. Viverás empanturrado de vida se não souberes interromper o coração com breves relâmpagos de ilusões. Repito. Habitua-te. Sei do corpo a perder peso. Dieta fora a balança que te emagrece a respiração. Habitua-te a ser um pouco mais...

A noite é uma dor em branco. Festa de soníferos de várias cores. Repito. A noite é uma cor em branco. Festa de soníferos de várias dores. E nada disso é. Mas não deixes que o amanhecer seguinte se apegue a ti. Se o depois acontecer antes espeta-me uma injecção com vitamina de esperança para estimular as minhas asas. Se não as encontrares. Tanto faz! Pode ser mesmo num dos braços ou em qualquer parte da minha voz que não esteja pele e osso.

Habitua-te. Tua é a prosa alcateia tamanho infinito. Árvore raíz palavra poesia. Carta distância destinatário improvável. Deserto túmulo lugar incerto. Restos sucata excesso crepuscular. Habitua-te. As palavras não pensam o que lês. São mil sentidos ao acaso em várias direcções.

A qualquer instante podemos descobrir que não nascemos um para o amor. E muito menos para o outro. Terás que fazer muito mais que ventilar bolas de sabão sem asas. Raspar luzes que caiem gota a gota em cima da paisagem. Susto caído no chão e que ninguém quer ir lá apanhar. Palavras aladas que tombam de sono no papel. Não metas mais. Muito mais. Palavras na minha boca. Os verbos têm cáries de fazer feridas na imaginação. Não metas palavras à força na minha boca. Eduardei-te todas! No tempo em que a paixão era algo comestível. Mete-me beijos na boca. Não ouviste? Mete mais!! Muito mais do que beijos que mentem e se metem em bocas onde não sou chamado. Mais que raízes que temem sementes de terra regada com flúor e saliva. Muito mais não sei arrancar de dentro. Talvez não seja preciso. Não metas palavras. Ainda não sei prosar o silêncio nem trepar ao patamar de cima onde as nuvens tremem constipadas por amar. Não mates as palavras por não pensarem o que lês.

Deixa nascer o sol seguinte!