terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Prosaria
À hora da poesia. Apago com luz estrelas que aguardam que o sol friolentamente se dilua no céu e faça luar o teu nome. Apago com palavras aquelas noites em que o sono não pega em ti e adormecemos de abraços dados cada um com o seu lugar marcado. À hora da poesia. Não faças distância perto de mim. Já não temos juízo nem idade para mastigar saudades.
À hora da poesia.
És tu o poema. Por isso engole estes versos que te dou sob a forma de tranquilizante para curar a arritmia dos dias feitos de sonhar. Negra-me na pele uma cicatrizte estampada com um arco e um íris. Endireita o caminho enquanto atraverso o poema de um lado ao outro e dá-me tempo para temperar a impaciência.
À hora da poesia.
Farei silêncio grelhado com pedaços de lua cheia. Farei carícias enlatadas e cachos de manga com sabor a fruta. Se restar fôlego. Farei crepúsculo cozido com fragmentos de nevoeiro. Oh. Não. Tudo menos crepúsculo. A última vez que fiz deixei queimar as horas dentro da panela. Quando destapei o tempo já não havia minutos que chegassem para namorar prazeres.

À hora da poesia.
É o teu alguém que acontece em mim como se não tivesse acontecido nada. É o idoso que vou sendo cada vez que a idade celebra mais um ano. É despertar com os teus sorrisos os sorrisos que ainda não ousas. São antídotos fora do alcance da fala. São botões de emergência preguiçosos. São braços entrelançados no peito.
À hora da poesia.
Escrever-te-ei em prosa para que possas tomar cada verso como um banho de cascata no coração. Respirar profundo o mar de hoje rente à linha do horizontem. Descascar a loucura ao ritmo de um grito definitivo e descalçar ilusões antes que seja tarde para recuperar a realidade.
À hora da poesia.
Quem te mandou a ti ensaboar o corpo com insultos de amor? Quem te rasgou poemas nos olhos apenas pelo simples facto de serem cascas de relâmpago colados à pele? À hora de bater asas na cara de outros voos. Quem te mandou assaltar trapézios com a altura de um céu? Quem me virá acudir se me acontecer um poema e tu não tiveres mais poesia para encher versos? Quem sacudiu lençóis de água à varanda da minha sede? Quem te vai emprestar os meus lábios quando os teus já não tiverem mais beijos para gastar?
Eu. Eu que te julgava um poema? Não! Tudo menos poemas. Hoje sei que à vista desarmada a poesia é realidade que acontece quando não se tem outra ilusão. Mas. O que importa escrever assim ou assado se conservo em mim a dádiva de ser alado como um pássaro voando na direcção correcta?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Obrigado mana Loide por me emprestares a tua máquina!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

sábado, 2 de janeiro de 2010

Insolitário
Quando estiver quase a adormecer passem-lhe o sono pela torneira da água fria. Desatem o nó aos soluços que atravessam a garganta. Façam-no sentar à esquerda dos versos que mais não são que duetos com outras solidões. Risquem a pele os nervos a voz os pulsos com lâminas de encurtar distância. Quando estiver quase a amar. Não lhe ensinem amor como fazer de conta que se desfaz em conto de fadas.
Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz a despedida. Tentem bebedeiras de palavras à toa e mostrem-lhe com quantos copos se enche uma noite vazia. Quando estiver quase a escrever. Interrompam-lhe as mãos várias vezes para que não remende as varizes do tempo. Não o deixem cozinhar o amor. Há de comer assim mesmo. Palavra a palavra. Até ficar cru.
Quando estiver quase a chegar. Destrancem fios de água doce em aquários doutros pássaros. Anestesiem-no com beijos que sobejam dos próprios lábios. Tirem a mania de reduzir nuvens a cinzas e esbofetear borboletas com candura suave de rapina. Atirem-no ao acaso com a força dócil das ondas e mergulhem este sonho feliz que se senta no colo dos versos como se um minuto fosse o instante lento que se senta segundos antes do despertar de quem não tem ainda o que sentir.
Oxalá a lua não o ponha a dormir até perder o sono das vistas. Oxalá o coração aguente mais um solavanco e espere tranquieto antes de mandar lixar os vários destinos que o destino é. Quando a voz lhe envelhecer nas palavras. Puxem-lhe os passos na direcção contrária do olhar. Lancem-no sozinho contra a cama e retirem as portas do casulo para quando entrar bater com o nariz no perfume das flores que não plantou. Quando estiver quase a descobrir. Destapem-lhe o futuro da frente e coloquem lá outra coisa que não seja passado. Leiam os gestos os dedos as mãos os braços a carne e gastem-lhe os caminhos de tanto andar a pé.
Quando cair num sonho feliz. Respirem-lhe os versos devacarinho para não doer. Deixem-no escapar tranquilo e quieto nem que seja por um triz ou por um triste corpo devoluto.
Lembrem-lhe que com as palavras não se brinca. A menos que seja para dizer coisas sérias.