quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Embrulhou meia dúzia de afectos adquiridos em segunda mão. Foi até à raiz da noite que não acaba em sono.
Não deu presentes. Deu ausências.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Com sequências

Deslouco-me de um lado para o outro sem sair da folha em branco. Do escrever soltam-se sílabas ambíguas lidas de baixo de água. Mas não afogo. Apenas um breve incêndio ao fundo do quarto. Tão só e mal iluminado como o sótão onde me visto de advérbios de medo e vogais com som antes do nascer da prosa.
Misturo palmas com as mãos e calço versículos em ebulição para ver se os músculos aguentam mais um quilómetro lá em baixo.
Descalço o pôr-do-sol da cintura para cima e quando não tenho no peito equadores perpendiculares ao eixo do coração estraengulo as palavras para que a diversão não se sobreponha nunca ao conteúdo.
Visto gritos que não me cabem na faringe. Experimento trocar a vaidade. Mas acabo quase sempre por vestir a roupa da noite anterior. Não tenho tempo para mudar todos os dias de mim. Às vezes visto o mesmo corpo durante o sono e o que escrevo repito para não cansar.
As horas continuam. Tão nuas como vêm em vão. A saliva coagula na boca. É pecado que se despe crepúsculo e se despede aurora.
Aproveito para revistar o quarto de uma ponta à outra. Devagar. Vasculho. Abro. Fecho. Desembrulho. Afasto a gula dos dentes. Deixo-me coagular lentamente nos abraços dos teus mimos como se fosses verdade.
Hoje quero permane-ser leve e dançar. Nem que tenha que agendar a despedida noutra data longe daqui.
Mas se porventura outra mão desarrumar o som da tua voz antes do nascer da prosa endireita o eixo do coração e dança com os meus passos. Sim amor. Dança. Devagar. Mas dança. Ou amordaça de uma vez por todas os meus tímpanos para não te ouvir ressonar os sonhos.
Com tantos poemas no armário não sei que versos hei-de vestir hoje.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Translucidez

Sai do meu poema. Exijo mais do que invaginar-me por ti adentro igual febre que espanca estoira sangra esfarrapa atordoa entra pelo quarto minguante sai pela culatra bate contra a cama atravessa os ventrículos e estremece a insónia como um terramorto. Vai. Mas só um pouco. E muda a cela do meu lugar. Euforia é quase sempre a continuidade de gritos engolidos pelo vazio quando ousas tapar a boca com beijos que não te pertencem.
Vai. Sai com esperança alívio alento e vigor mesmo que a saída não passe de um poema. Parte a linha do horizonte ao meio. Prende-te às nuvens e sobe mais. Fica até perderes o compasso a régua o fio o prumo e absolve quem por descuido arrendar amor instante efervescente cujo prazo de eternidade é mais ou menos zero.
Sai. Abala-me no peito. Alveja-te com o bem que me queres. Hei-de vasculhar pétalas até achar flor. Vou esperar pela água até encontrar sede. Hei-de procurar astros até encontrar céu. Vou procurar ondas até achar mar. Hei-de chamar-te com o meu nome até desencontrar o teu. Vou caminhar apé encontrar vestígios de inspiração na falta que te inspira a não escrever. Hei-de retirar aspas entre frases sem charme e dar-te mais vinte e quatro portas para entrares no meu poema. Chega. Não chores mais nisso. Mas sai. Brinca-me com palavras que não me impeçam de mastigar a tua voz até perder o sabor. Trinca-me os risos que se feriram a rir de nós por não sabermos chorar. Brincando. Apaga as pirilâmpadas transluzindo sombra. É tarde. Mas só um pouco.
É tarde para ficarmos do lado de fora da página. Entra pelos versos. Não vou forçar nem mais um sorriso na hora de dizer que te amo. A partir deste ponto final passarei da poesia ao acto. Vou ranger pedras umas contra as outras. Mas só um pouco. Afiar orgasmos que desaguam como bicos de lança. Mas só um pouco. Agitar respiração dentro dos pulmões destapar o sol com a peneira coar luz sob a cumplicidade das velas. Mas sou um pouco. Incomum. Como um de nós.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Bar novo
Faculdade de Letras de Lisboa

O beijo
são palavras que te dou na alma

domingo, 4 de outubro de 2009

360 graus de poesia
Não posso escrever poemas apenas com poesia. Poesia são sonos que vou dormir com o tempo que me resta até ser hoje. É poesia chegar ao fim do copo às vezes sem beber uma única palavra. Acrescentar mais uma hora à eternidade e entornar à tona da tua boca todos os desejos que sorvo quando não escrevo por ser de silêncio o tempo que te basta para ser feliz. São poesia corpos de água que peço ao céu para te embriagar com doses de esquecimento. São poesia sons que me ensurdescem pela garganta abaixo. Arcos de quem flecha uma janela no meio dum coração em pé de aços. Aguarelas de chuva que se fazem eco caindo em catadupla de duas gotas.
São poesia dardos em direcção ao oeste este incêndio à flor da pele este barco estes remos contra a maré estas asas este voo enevoado estes dedos de beliscar as estrelas depois das palavras. São poesia céus para voar transformados em obstáculo. Pontos cardeais que não chegam a nenhum poente. Caminhos de andar desmorteado entre o norte e o luar. Enxadas que descascam a paisagem. Sinais de fumo que nos atravessam em procissão poesia as fracturas de luz e traços de alegria e cores de azul. São de prosa as rosas do vento que nos revela até onde é infinito o sono que vamos levando aos poucos.
São de prosa.
A cama electrodoméstico de fazer metáforas quando a noite se enche de alma. A bússola que não me cura deste jeito imundo de apedrejar as palavras. O almoço que fica mais pequeno quando retiro metade para servir de jantar. O lavatório sujo de manhãs por esfregar. O pão duro matinal fora do alcance dos dentes. Os cigarros que perfumo como incenso. Doesse tudo isso como uma imperceptível bofetada de amor inscrita na face. Sou eu beijo ou inspiração boca a boca ao último verso. És tu a enlousquecer pouco a pouco horas acrescentadas no colo da eternidade. Somos nós corpo a corpo salpicados com um tiro de imaginação em papel de embrulhar sonhos.
Não posso escrever poemas apenas com poesia. Um dia não se cura de uma ferida para a outra e apenas saudade não basta para te esconder da minha ausência.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Afropoesíaco

O sorriso mais perto da boca fica aproximadamente a uma ou duas distâncias daqui. Se isto não sai imaculado não é por não compreender a distância mas porque já só consigo escrever à dentada cada verso que ocupa o lugar de um beijo. Já só contigo consigo abrandar batimentos cardíacos que ameaçam a integridade física dos poemas que escrevo em voz baixa para ninguém saber. Bando de cordas vocais em segunda mão usadas para açoitar tímpanos de quem espreme a memória até ao osso. Inventa solidão para preencher isto que não é poema escrito em voz alta não é fracção de noite em que se calam afectos não é nada que entra pelos bolsos e sai pela boca não é coágulo de barro para asfaltar flores que faltam nas tuas mãos mal adivinhadas.

É isto que eu quis. E nunca vos disse por querer tanto ajustar palavras à verdade embora por entre metáforas de fácil indigestão. Ousadias que usam noites para se africarem em danças de alma. Em pegadas em que não deixámos passos. No horóscopo que desacerta a idade que o beijo demora a chegar ao coração. Tempo que o capim demora a crescer e a tapar os rios com lençóis de granito. Distância que a luz demora a entrar pelos teus olhos e a sair pelo que escrevo. Palancas que caminham rente ao arco-íris. Sono indormido que assinala o sonho e a página antes de apagar a leitura. Poetas que mastigam à dentada versos que ocupam o lugar do vazio. Outros que espremem a memória até ao que não posso apregoar com a tua voz. Os mesmos que vendem poemas ao preço de gotas de água só para matar a fome das palavras. Olhos que vi com os meus próprios. Espelho tão teu mas muito mais nosso do que meu. Carícia que me afrodizias com o olhar. Aquietei. Atei tudo num saco e atirei dentro de um rascunho.

Porque nem sempre o corpo é um lugar atraente em que se está. Porque defendo a tua loucura. Dela dependo para continuar a querer. Porque poesia não é ainda poesia se por dentro não tiver pelo menos um centímetro de amor antes de ser solidão. Isto nunca vos disse. Porque isto não é como um poema.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Nos dias que não correm ficar preso a um emprego é demasiada liberdade...

terça-feira, 28 de julho de 2009

Trava o mundo por um pouco
Ainda tinhas manchas de água salgada no corpo. Não podias engolir em seco tanto barulho e despertar versos noutro chão. Porque os poemas. Todos os poemas. Tu sabias. São minúsculos abismos de papel que doem até onde for preciso ir para irmos mais leves.

Depois. Esqueceste. Soubeste imitar o céu quando chove e esculpe gravuras de sépia na pele das falésias soubeste substituir trocadilhos retóricos de mau gosto e de beleza fácil pela verdadeira humanidade da poesia cujo universo é mais fundo substituíste o estremecimento das marés pelo flutuar sereno das gaivotas soubeste deixar ir pelo cano desgosto a rosa cor mulata que hoje é dolorosa ou outra coisa qualquer poemificável. Mas vou.

Entro pela outra face da vida real. Incendeio palavras de ilusão embora sem saber distinguir se são poemas com que vos mostro aquilo que amo ou apenas endereços errados que me mostram o caminho certo. Vou pela leitura adentro à procura de abismos e papel. Vou pelo desejo de detonar o céu limpo do lado de cá e sacudir o luar lá fora sem deixar adormecer as luzes que rebolam cá dentro. Vou mesmo com razões de sobra para me vergar à contemplação do que ficou. Vou.

Recortar a paisagem pela raiz corrigir endereços de lugares perdidos com princípio meio e um pouco de fim. Juntar dias separar noites na véspera do encontro. Ensaboar as palavras antes de as poemificar. Entrar pelo envelope da despedida adiar todas utopias e pulsos de um só gume que recortam frases amuadas de mão beijada. Calar o despertador que te levanta da cama só para mais uma estrofe catástrofe de metáforas que não são nem mais nem outra coisa senão paradoxos que nos vivem por dentro. Agora sim. Pára. Trava o mundo por um pouco e fuma-me o silêncio!!

Se te perguntarem pelo endereço da ilusão. Dá-lhes o endereço errado.

sábado, 4 de julho de 2009

Mesmo sem poesia nos bolsos para comprar o pão de cada verso. Mesmo desempregadamente no olho das ruas que me empregam partidas. Mesmo de prego em prego martelando as portas. Irei. Desocupado. Aprender mil línguas para te dizer um beijo!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Contraprosa

Semeei água nos vasos para ver germinar um rio. Pendurei o caminho ao pescoço para não perder de vista os passos que me andam cá dentro. Esfreguei gindungo nos olhos para ver arder a pólvora que trazes na ponta da língua. Tenho olhos de palma açucarando o refogado das nossas guloseimas. Cesariana de versos alinhavados entre vírgulas e noites insonoras sem outro paladar.

Tenho vontade de aparafusar poemas nas paredes e pôr um ponto afinal nesta pintura feita de despedidas caminhos-de-ferro e alguns cais de embarque pintados de fresco.

Como quem respira por telepatia. Desembrulho-me peça a peça. Dispo fôlego pelos poros. Deixo-me subir em contra mão de cima para baixo. E nada disso é. Porque a qualquer momento pode ser domingo. A qualquer instante a prosa pode dizer de mim o que não quero escrever enquanto a mão prepara a azagaia para assediar corações com raios de preguiça. A qualquer momento o fim pode chegar ao sonho e o ponto além de nós pode nos mudar de página sem termos terminado este parágrafo.

A qualquer corpo de rua num instante rápido de amor que não dá momento para monologar sorrisos.

Pois. Nunca se diz os maus hábitos das coisas que não falam. Habitua-te! Estou aceso com uma insónia enfiada nos olhos. Oh! Estou nada disso do que disse. Habitua-te a resistir sem deixar que o amanhecer seguinte se apague. Viverás empanturrado de vida se não souberes interromper o coração com breves relâmpagos de ilusões. Repito. Habitua-te. Sei do corpo a perder peso. Dieta fora a balança que te emagrece a respiração. Habitua-te a ser um pouco mais...

A noite é uma dor em branco. Festa de soníferos de várias cores. Repito. A noite é uma cor em branco. Festa de soníferos de várias dores. E nada disso é. Mas não deixes que o amanhecer seguinte se apegue a ti. Se o depois acontecer antes espeta-me uma injecção com vitamina de esperança para estimular as minhas asas. Se não as encontrares. Tanto faz! Pode ser mesmo num dos braços ou em qualquer parte da minha voz que não esteja pele e osso.

Habitua-te. Tua é a prosa alcateia tamanho infinito. Árvore raíz palavra poesia. Carta distância destinatário improvável. Deserto túmulo lugar incerto. Restos sucata excesso crepuscular. Habitua-te. As palavras não pensam o que lês. São mil sentidos ao acaso em várias direcções.

A qualquer instante podemos descobrir que não nascemos um para o amor. E muito menos para o outro. Terás que fazer muito mais que ventilar bolas de sabão sem asas. Raspar luzes que caiem gota a gota em cima da paisagem. Susto caído no chão e que ninguém quer ir lá apanhar. Palavras aladas que tombam de sono no papel. Não metas mais. Muito mais. Palavras na minha boca. Os verbos têm cáries de fazer feridas na imaginação. Não metas palavras à força na minha boca. Eduardei-te todas! No tempo em que a paixão era algo comestível. Mete-me beijos na boca. Não ouviste? Mete mais!! Muito mais do que beijos que mentem e se metem em bocas onde não sou chamado. Mais que raízes que temem sementes de terra regada com flúor e saliva. Muito mais não sei arrancar de dentro. Talvez não seja preciso. Não metas palavras. Ainda não sei prosar o silêncio nem trepar ao patamar de cima onde as nuvens tremem constipadas por amar. Não mates as palavras por não pensarem o que lês.

Deixa nascer o sol seguinte!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Palavras são cansaços de poesia a tentar pôr de pé um voo de alma.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

sábado, 2 de maio de 2009

Poematório
em primeiro grau

Cervejo-te num copo vazio de espuma. Não te bebi os sonhos esta noite. Estou sovinho no quarto com uma garrafa de poemas apontada à cabeça. Entorno uma lágrima pelas escadas abaixo. Engulo de um só trago o desejo em torno da pele. Procuro a bússola às apalpadelas. Dizem que quem te língua vai ao aroma dos teus lábios. Eu prefiro continuar adormecido. Não há melhor abismo que acordar de um sonho pornográfico e reparar que o mundo melhorou um pouco graças ao nosso amor. Prefiro continuar em vigília. Sem anestesiar o coração. Estou-me nas tintas para a métrica desobediente que uso em cada verso!

Um poema é muito mais que poesia. É um precipício de corpo inteiro em queda livre!

Mesmo sem o teu com sentimento fumo as cartas perfumadas que não chegaram. Torno-me socorrista voluntário dos teus desabafados. Do mundo apenas quero um pedacinho para levar para casa. Só! Respondo aos teus poemas com sotaque de silêncio como quem responde indignado a um insulto obsceno. Invento a brandura das estrelas para apaziguar aquelas discussões quase domésticas logo pela manhã com medo que os caçadores furtivos viessem durante a noite para nos assaltar a lua. De nada nos serviu. Nem a carapuça.

Como um camaleão. Mudas de palavras conforme o sentimento onde te encontras. De tanto te dizer o que sinto acabei por me desdizer no que sou. Peço licença a solidão que habita no quarto ao lado. Entro. Dou cambalhotas com a vida. E saio. Fecho-me à chave debaixo dos lençóis. Sustenho minutos que não vêem escritos nos relógios. Sustenho vertigens dentro dos olhos. Interrompo a linguagem irrequieta que sustenho no dedo que indica a dor. Ariscas a vida o sangue a carne os ossos riscas a folha o espelho o rosto com cacos de algodão de vidro. Sou mais caçador que furtivo. As palavras são a minha pressa. Sem olhar nem para um lado nem para o outro atravesso a estrada fora da passadeira. Passa por cima desta coisa que me faz sentir e risca-me a alma como quem risca um fósforo.

Estou-me nas tintas para os alfinetes com os quais alfinetaste o pára-quedas quando saltei o meu corpo pela janela. A inutilidade da escrita sinto-a na hora de ficar calado! E nas tintas só estou de vez em quando quero pintar as rosas da cor da vida que não é. Quando és o sabor de um fruto antes de amadurecer. Quando nem todos os caminhos vão dar ao teu aroma. A inutilidade das palavras sinto-a não na hora de ficar calado mas um minuto antes do bolor contaminar o pressentimento que quero vomitar. Mas não vos imito. Ainda transpiro o bálsamo fresco da memória como se da infância nos conhecêssemos. Ainda brinco às escondidas com a felicidade como era antes. Molho-te com passos de dança em cima de poças de água. Agora cuida do presente. Cuida do ar em movimento à velocidade de um sopro de vento. Poeira. Adubo. Seiva. Fermento. Cuidado com a mania de fabricar naufrágios fora de horas. Os espelhos não se rasgam com as mãos. Cuidado ao tentares domesticar a palavra infinito. O tempo não deixa gorjeta.

Bordei o luar. As ondas. A espuma. A areia. Por hoje termino aqui. Frente à praia. Apetece-me acordar noutro lugar da minha loucura e não mais pensar no assunto.

terça-feira, 21 de abril de 2009

O Poema é sempre melhor que o Poeta!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Opaco

Estação de Queluz-Belas, Linha de Sintra

Quando levo o sono para cama antes de fechar as cortinas descalço-lhe a raiz da insónia onde me deixo cair. E quando não caio nem no sono nem em mim sacudo o hemisfério esquerdo do meu peito para entender o som pontiagudo do grito que entalei entre os lábios. Quando não caio em mim mudo o perfume das glicínias que trepam à beira da queda. Ponho rosas a cheirar a papoilas. Rego orquídeas com água de açucenas. Desço à rua para emendar as letras maiúsculas do nome dos imbondeiros em chão de terra batida com bofetadas e outras carícias. Escrevo ilusões que não existem a cada esquina do poema onde a mão a caneta o papel a tinta e se não me engano a espada e a parede entre mim são hipérboles arrastadas ao abate.

O horóscopo virá responder por nós à tarefa de equilibrar o sonho com o braço enérgico de um acrobata embriagado. Digam-me de uma vez por todas. Por todas horas absurdamente em excesso de velocidade quando a ilusão é dolorosamente doce. Quantas pulsações são precisas para empurrar um corpo ao último pedaço de lenha por arder? Em que reclusório almofadado vos abandonei presos à liturgia do esquecimento? Quem virá sequestrar com a boca esta meia dúzia de beijos distorcidos nos lábios? Conseguirás sobreviver no mundo da lua e descer à terra sem escorregar na casca das palavras que atirámos para o chão? E os bocados de alma que descascámos? E os orgasmos esmagados entre as pernas? Quero lá saber!! Temos um emaranhado de respostas aos encontrões umas contra as outras. O desenlace. Sabê-lo-emos quando as palavras perderem o prazo de vaidade e na pele os primeiros vincos esmurrarem o último sorriso vivo.

De uma vez por todas. Não irei mais à caça de mim com armas de fogo-de-artifício prontas a disparatar poemas que fazem cócegas ou comichão no hemisfério esquerdo do peito. Vou com uma fisga. A palavra tece o seu próprio delito. O poeta está lá apenas para recolher as lágrimas. Ah! E desembaracem-me já estas longas tranças negras rascunhos de meia-tijela opacas linhas sujas resmungonas abruptamente rabugentas. Parem os batuques. Aliviem o som das sirenes. Enfiem uma vírgula neste sono que quer medir forças com o despertador. O nevoeiro passou. Estou apto à ressurreição. Deus perdoar-me-á assim como eu tenho perdoado os meus dias e a quem me tem alimentado com manjares de esperança e determinação na hora de viver para além da vaidosa mendicidade da poesia! Estou apto à vindima da minha infinita dança com edição limitada. Meti mais lenha no pensamento. Para não apagar. Soltei as canções que entalei entre os lábios. E cantei. Sorridente! Agora parem os batuques. Vá lá. Já dancei as estrelas. De uma vez por todas. Parem!! Parem com este silêncio! Não vou repetir o antes de ontem. Toquem longe daqui. Já não acredito em divórcios à primeira vista. Vistam a farda dos poetas e toquem bem alto até criar fissuras nos pulsos. Se o som tentar escapulir por entre os ecos e soluços. Pelo menos um acento na penúltima sílaba para lhe dar uma tonalidade grave. Pelo menos esta boca que canta insaciável em fome não sei bem de quê. Pelo menos só mais uma pulsação! Não há fada nem varinha para adiar o jeito indecifrável de ir.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O que mais te agrada além de viver?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Não te disse

Não te disse o crepúsculo que habita os dias mal escritos. Não te disse que admitir a inutilidade da morte é tão proibido como dissecar o coração para desmascarar em flagrante as cordas sanguíneas da alma. Não te disse. Sequei o inverno e recoloquei as palavras na gaveta para não magoar a leitura de ninguém. Dissequei alguns advérbios de tempo e de bons modos. Reacendi pirilampos parindo em luz à luz do pôr-do-sol. Desenrolei os filamentos dos teus nomes e as artérias à esquerda dos algarismos que sei de dor e salteado. Não disse. Soletrei pingo a pingo a chuva que bebi dos teus olhos. Destapei o rosto e mandei lixar os insectos e a fragrância das tuas palavras. Oxalá nunca tenhas que experimentar as tuas próprias ficções extremamente poéticas.

O baloiço de pedra. As lâminas que acariciaram as pulsações da voz que engoli quando tentei falar a última vez o último beijo o último poema íntimo. Não te disse. Sei apenas por ouvir dizer. As páginas de pólvora em ebulição. Os aquários que vieram desaguar na mansidão dos rios em direcção amar-te. O único planeta que não sei de cor e que não te disse. Assim como não sei os astros é na poesia que os conheço. Assim como não reaprendi os dialectos da tua boca é por metades que escrevo e me apago nas linhas tortas cúmplices das tuas incertezas que não dissequei.

Os arvoredos o vento as flores a cidade o tempo a insónia a memória e todas estas coisas de fazer poesia. Não te disse para não te magoar a leitura. Para não te picares nas entrelinhas das rosas nem na enxada com que escrevo a terra. Para não lagrimares em seco a largura e o comprimento da fome nos dias em que não conseguires iludir o estômago com o fim do mês desordenado. Todas estas coisas já não são. Tornaram-se pontos de vista para todos quantos procuram disfarçar a cegueira tendo o coração à espera da ressurreição. Onde os desejos se despem e dançam e se despedaçam e a respiração seca. Onde as surpresas são ideias ocasionais aqui onde me encontro surpreso entre quatro muros altos. Onde a cidade é um exército de solidões desandando de um lado para outro. Onde a esperança é uma relíquia que não se deixa guardar nos bolsos mas nos faz permane-Ser. Onde os murmúrios em uníssono são uma canção de embalar as pedras molhadas pelo sol. Onde não sei os pulsos o sangue os nervos a inspiração arterial não sei o fruto a flor o tronco a raiz a terra a semente não sei a vida por ouvir dizer que existe. Sei por me ouvir escrever que a vivo e preservo.

Não te disse nada para te livrar das utopias que não consigo corrigir nem a pontapé.

Sei o que ficou por dizer. E o que ficou por dizer é que só dissequei as palavras para não te encontrares algures na míope leitura. E se já não tiveres atrevimento e bravura para ler apaga-me. Risca tudo. Passa uma borracha nos olhos. Só disse metade. Para não te magoares com o estrondo ácido de versos onde me aleijo cada vez que retiro da gaveta a esferográfica e ponho em prática as minhas reticências…

sábado, 14 de março de 2009

Porque um verso são versões que os outros dirão.

sábado, 7 de março de 2009

Espectro

Brincar o sentimento é brincar corpo a corpo com o espelho. E eu deixei. Não vou mais. Tenho os olhos nítidos como o azul fresco do céu. Já tenho idade para perder o juízo! Mas. Tenho os longes a povoar a saudade. É-me forçoso sonhar ao milímetro sem esticar demasiado as emoções. E se crio insinuações sentimentais ocas por dentro é porque recuso refilar com a infidelidade recíproca das nossas palavras destinadas à demolição. Se me ponho a nu. Quase correndo o risco de me expor. Descalço dos pés aos sentimentos. Coberto com ligaduras coladas à pele. Apalavrando ondulações rítmicas ao amanhecer. É porque mesmo onde não chego vou sempre com um lápis pronto a alvejar o papel.

A escrita é um antídoto eficaz para sobreviver à demolição dos dias.

Mas. Pronto. Chega de circo!! Chega de ferir as atenções dos outros na tentativa de dizer para além dos abecedários. Aqui. Onde me repito em cada disparate novo. Em cada zaragata íntima em fogo-de-artifício. Aqui. Lugar subterrâneo onde tento alegrecer a vida. Não sei em que silêncio começa um poema a ser Poesia. Aqui. Vou sentir a sério sem brincar os bocados de mim que não seriam inteiros senão atacados pelo humor. Enquanto puder. Permanecerei fiel ao delírio. A única razão que me leva a escrever mesmo com versos anteriores ao sonho. Aqui. Chegarei com uma hora de atraso em relação aos meus relâmpagos. Não vou mais sonambular o sono. Não regressarei enquanto não descobrir em que
silêncio começa um poema a ser Poesia. Espectro!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Solicitude

Loucura-me o silêncio monossilábico que desce ao longo de mim. Cura estes dias que não são mais iguais a estes e desliga o tempo. Estou ausente. Fui amparar os caminhos que perderam os passos. Fui sorrir às escondidas dos aplausos que te insultam pelas costas.

Porque só deixarei de te amar se for em legítima defesa do meu coração!!

Cura-me a amnésia de te lembrar porque já fui. Fui renascer-me. Fui chafurdar na lágrima buscada à força. Sem ninguém ver. Quando me lembro de ti. Não me lembrei de nada. Remexi as efemérides do teu corpo desembelezado. Desatei-me e fui saborear o mar. Não fui.

Calaram-se-me os olhos.

Fui. Nestes dias em que chego a casa e me falta tempo e silêncio para fazer amor com as palavras. Fui vasculhar todos os poematórios encharcados com os teus soluços e só encontrei expressões digitais de solicitude.

Com ternura de dar poesia na boca e água fria por entre os pensamentos fui trocar de sono. Procurar uma vírgula que me aliasse à vida antes que a noite se transformasse em ponto final. Quando me lembro. Esqueci. Já é arde demais cá dentro. Arde tudo tão tarde. Tão verde de meter receios dentro do quarto de horas quadriculadas onde estou visceralmente vivo. Tarde para aquietar a cadência do voo sem amarrar as minhas veias à volta das asas das palavras. Mas apenas tarde para aquietar a cadência das palavras. Tarde para nunca ser tarde. Airosa.

Nunca as lembranças de mim que tardam vivem e se esfregam debaixo da terra e se contorcem no asfalto e sobrevivem no verde da espera que é tudo que parto e vejo desnascer é hoje que bato palmas endurecidas entre os dedos é amanha nuvem arrefecida parida gota a gota que não vem é nunca ser passado é continuar a presentear-me com o presente é apartar de ti a tarde que nos perde é palavra bonita que não se escreve com febre no acento circunflexo é pedir emprestado o céu é receber uma estrela e não devolver é ainda estar vivo sem ninguém ver é nunca ser noite nem tarde é adjectivo que sou quando me transmito aos outros por palavras meras que me desconhecem e estou amante dela e de mim e de mim sou curativo das núpcias em mau estado de conservação e habitar a solicitude de olhos vendados por um vendaval de ar fresco habituar o corpo a falar com as mãos desabotoar-te a timidez fazer um motim nos cobertores até as molas da cama estremecerem cansadas saciadas no desfôlego levemente de pedra e sono é ser pirâmide inacessível é ser prosa sinuosa. De pedra e sono. Cheguei. Agora. Por pavor vem atirar a limpo esta história. Atirar a limpo os rumores ressequidos de boca em beijo. Mas apenas de boca. O beijo são palavras que te dou na alma. Estas figuras sem estilo endiabradas graças à real aparência do profundo que não têm. Isso mesmo. Por favor. Omniapresenta-te!!

A solidão é uma sucessão de momentos cheios de vazio!

Mas. Sem medo na ponta da língua caminharei para mim em alvoroço. Guardarei a colheita deste bailado tão raro. Chegarei destemido e sem margens como as que delimitam o azul das águas. Podes pensar o que nem eu sequer sinto. Mas. Longe levarei o meu sorriso. Mesmo quando ir mais longe significar não sair daqui. Pois. Estou longe e para além de mim não há distâncias.

Agora. Por pavor. Deixa-me não escrever. Deixa-me ser aliterário. Beija-me ser às escuras o fulgor das tuas feições interiores. Sem ninguém ver.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A justiça não se injustifica por si. A sua ineficácia não escapa à responsabilidade do legislador passivo e servilmente obediente que cada um de nós é!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Os astros que outrora galoparam o céu migraram e esqueceram a noção de altitude e longitude no mapa que forjámos para entreter a nossa ingenuidade. Hoje consultei o horóscopo para me salvar do sono inesperado. Suspeito ter dormido tanto que quando chegar a hora não terei já sono para regressar. Estou predestinado aos trabalhos domésticos dos subúrbios do meu quarto. Sento-me e começo a lavar os pratos. Lavo o fumo dos cigarros com água e sabão. Limpo o cinzeiro onde arremesso pedras que me saem pela culatra. Remodelo a coloração da minha velhice ate à raiz do couro capilar. Guardo dentro de garrafas o som rouco da tua voz à velocidade do silêncio. Rapidamente. Começo a envernizar os móveis e as unhas e os lábios e as cicatrizes e as rugas e as pestanas com um lápis da cor do giz. Ainda mais veloz. Dirijo-me ao corredor. Atiro-me ao tanque à queima-roupa. Debruçado no cimento bordado em tons de nódoa. Dou banho ao passado. Esfrego o coração para lhe arrancar o cimento bordado em tons do que já disse. Afinal de contas foi nesse tanque onde estanquei a parte de mim que ao longo de uma fracção de segundo expressou contracções do imprevisível sono no qual o horóscopo é uma bússola avariada. Põe-te a pau com o crepúsculo coração. Não te desperdices descaradamente. Põe-te a pau com o vício incurável onde te encontras barricado.

O tempo é a distância de um abraço em cujos braços não se tocam.

Pudesse eu fazer arte da tua história pelo menos na parte em que partir não foi o começo das horas postiças. Quando já tínhamos chegado ao fim. E a ilusão nos impeliu a continuar a cavar o céu.

Mudo a água das jarras. Provo um trago. Bebo sem moderação até atingir a lucidez. Continuo demente entreaberta. Interrogativamente com passos em zigue-zague mas de olhos vivaços.

A loucura se for uma obra-prima muda de nome. É razão!

Cala-te boca. Não tarda muito terás a língua electrocutada num riscar de olhos. Cala-te. Onde está a explosão de beijos que dei ao espelho até ferir os lábios de cansaço? Onde está o açúcar aromático que me prometeste para polvilhar estes parêntesis que abro entre palavras que nunca se fecham? Não me provoques só realidade nem metáforas exageradas com insinuações grotescas de amores que não são. Prova-me a essência da ilusão primitiva. Reprova-me se o que faço é enganar o estômago fazendo palavras cruzadas que se cruzam com fotografias amachucadas que tento consertar com golpes de formosura.

Arrasto-me novamente até ao quarto. Modero a minha altitude perante a vida. Contemplo o tempo que me resta para terminar o poema. Tudo o que ficou por limpar. Os quadros, as molduras. As baratas. Aliás. As molduras baratas compradas na feira da ladra. As rugas no resto de sonho. O telefone que nunca me ligou. Os retratos em segunda mão. Os lençóis manchados de. Não vou dizer. As alegrias tímidas. A língua túmida fechada dentro da toca. Os tijolos que fazem de mesa. Os tapetes que uso para tapar os buracos. O cabelo esbranquiçado desmascarando a minha verdadeira cidade. Embrulho tudo dentro do bolso. E mudo de idade. Para onde não vou dizer.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A morte é caminho de ida e revolta.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Versículos

Adormece-me para sempre. Acorda-me de vez em quando para respirar o perfume dos lírios. Segura com os dentes os pilares sísmicos das noites tatuadas com a seiva da insónia. Seduz-me a alma e a intuição. Senta-te no colo das nuvens. Ferve os aguaceiros que sobem pelo céu acima. Lambe uma palavra. Absoluta. Atravessa o teu travesseiro. Vomita os rascunhos dela. Afaga os insectos que dançam à volta da lâmpada enferrujada no telhado frágil sempre perto de desabar em cima das nossas utopias convulsivas. Estou longe de remendar os alicerces da nossa única casa. Comigo. Mas estou perto de atirar sonhos usados contra as portas da casa. Comigo. Longe de entornar os fluidos dos nossos corpos no chão desta casa. Comigo. Porque ter-te-ia pedido. Porém. Perdoa-me por não te ter amado ontem como amo hoje a tua ausência. Por não teres escapado ilesa aos versos e versículos afiados deste desafio que é domar os capítulos do quotidiano. Não irei à tua procura. Nem que as palavras se afoguem nas marés. Os cromossomas da saudade se afoguem nesta gritaria hereditária. As fogueiras se apaguem em metades de um infinito vestido de lã terna iluminando com seus rasgos de luz ternos e macios o coração que bate e embate contra o peito. Está dito. Nem um só soneto pior que a ementa. Nada direi. Mesmo que não aceites o meu alfabeto. Semearei uma gota de água na tua sede. Plantarei uma floresta dentro de casa. Comigo. Nada direi. Não vais precisar mais do que metade do infinito para me ressuscitar. Foste. És. Serás. Próspera. Um caso ao acaso. Areia movediça. Áspera. Volúvel. À espera de um milímetro de oásis. E se houver lágrima. Atravessá-la-emos. Se houver uma casa. Vestir-me-ei com as tuas cortinas de lã. Dar-te-ei de beber água em pó. Juntos. Mudaremos as fraldas aos poemas melancólicos.
Porque tristeza é ler uma emoção e achá-la triste por ser bonita!
Porque nada direi. Porque nadarei até que as forças me percam os braços. De resto. Só isso. Juntos. Deitados à beira-amar. Enumerando as estrelas no tecto. Supondo dar um fim ao fim do que é doce e breve. Nada direi. Ainda que me obrigues a beber o mar de uma só vez. E que continuemos cúmplices do simulacro dos poemas que tens achado. Frígidos. Sem pontos erógenos. E sísmicos. E amnésicos. E pejorativos. E impulsivos. E só isso. Pois. Nada direi. Sobre este dormitório. Onde as paredes são húmidas de alto a baixo. Onde. Há bolor nos livros por ler. Onde. Lâmpadas enferrujadas criam a ilusão de luz. Onde. Construímos versículos de água em pó. À beira-Amar.