quinta-feira, 19 de novembro de 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Translucidez

Sai do meu poema. Exijo mais do que invaginar-me por ti adentro igual febre que espanca estoira sangra esfarrapa atordoa entra pelo quarto minguante sai pela culatra bate contra a cama atravessa os ventrículos e estremece a insónia como um terramorto. Vai. Mas só um pouco. E muda a cela do meu lugar. Euforia é quase sempre a continuidade de gritos engolidos pelo vazio quando ousas tapar a boca com beijos que não te pertencem.
Vai. Sai com esperança alívio alento e vigor mesmo que a saída não passe de um poema. Parte a linha do horizonte ao meio. Prende-te às nuvens e sobe mais. Fica até perderes o compasso a régua o fio o prumo e absolve quem por descuido arrendar amor instante efervescente cujo prazo de eternidade é mais ou menos zero.
Sai. Abala-me no peito. Alveja-te com o bem que me queres. Hei-de vasculhar pétalas até achar flor. Vou esperar pela água até encontrar sede. Hei-de procurar astros até encontrar céu. Vou procurar ondas até achar mar. Hei-de chamar-te com o meu nome até desencontrar o teu. Vou caminhar apé encontrar vestígios de inspiração na falta que te inspira a não escrever. Hei-de retirar aspas entre frases sem charme e dar-te mais vinte e quatro portas para entrares no meu poema. Chega. Não chores mais nisso. Mas sai. Brinca-me com palavras que não me impeçam de mastigar a tua voz até perder o sabor. Trinca-me os risos que se feriram a rir de nós por não sabermos chorar. Brincando. Apaga as pirilâmpadas transluzindo sombra. É tarde. Mas só um pouco.
É tarde para ficarmos do lado de fora da página. Entra pelos versos. Não vou forçar nem mais um sorriso na hora de dizer que te amo. A partir deste ponto final passarei da poesia ao acto. Vou ranger pedras umas contra as outras. Mas só um pouco. Afiar orgasmos que desaguam como bicos de lança. Mas só um pouco. Agitar respiração dentro dos pulmões destapar o sol com a peneira coar luz sob a cumplicidade das velas. Mas sou um pouco. Incomum. Como um de nós.