domingo, 25 de abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Poemorfose
Fechou os olhos a cadeado para o sono não fugir. Espalhou o quarto por toda casa à procura de cinco milímetros de infinito para trocar por um poema que não doa e que seja lido e engolido de uma só rajada. Trocou cigarros que nos fumam de boca em boca por frases brevemente acesas na pele áspera das pedras. Trocou esta tosse nas palavras pela pressa que se contorce por não chegar. Tocou palmas e semi-colcheias com mãos de trompete para simular o sopro barulhoso do vento. Trocou o quarto a sala a cozinha a varanda o buraco da fechadura e a casa. Por mim teria deixado tudo como está. Até mesmo a sujidez do cinzeiro. Teria trocado apenas uma ou outra morada de lugar. A começar por ti. Na morada que és onde não me demoro.

Porque ainda é utopia desenhar chuva nas paredes do estômago pintadas de refresco. Ainda é distante mordiscar no teu corpo as sílabas tónicas que bóiam à tona do poema. Namorar em ti como um hóspede que vem um pouco para sempre. Dar-te de comer ilusões fora do prazo de validade para que não te iludas com beijos que faço desembocar na tua boca. Ainda é preguiça acariciar-me com toda força das tuas mãos. Pregar soluços ao susto antes mesmo das emoções terem valor de troca por número de páginas. Antes mesmo de deixares escapar o sono por um bocejo. Antes da maré desaguar onde as ondas rebentam.

Trocarei o mar por um nada dum abraço em bocadinhos de eternidade. Trocarei um corpo ex-feliz por um músculo que sinta por mim o prazer do outro. Trocarei o motor que bate cá dentro pela ilusão que estragas quando atiras versos às pedras como se fossem retalhos à espera do caixote do lixo. E serão. Enquanto não aprender a meter conversa contigo. Enquanto tiver asas a baloiçar na ponta da língua sem que saia estrofe onde palavras possam cair vivas. Enquanto esquecer for emagrecer na memória o que ela não precisa. Enquanto ortografas poemas nas garrafas nas pétalas nas pálpebras e no peito e nos lábios e na língua e em água fria. Aliás. Água quente para não arrefecer o grito em pose de poesia.

Não há pecado em bisbilhotar-te as partes íntimas e gulosas do pensamento. Mesmo correndo o risco de aleijar-me deliciosamente nos teus dentes. Os versos serão só versões que os outros dirão. Portanto. Fala-me tu.

Quanto pesa o silêncio antes dos teus gritos se transformarem em magia? Quem tem borracha para emagrecer a memória de modo a não pesar mais em ti nem em pensamento? Onde esqueceste a casa na qual habitámos os maus hábitos um do outro quando a solidão ainda não era utensílio de uso pessoal? Como pode o coração contrair tantas variações de amor por metro quadrado? Como pode o sol soltar-se se não tiveres já um fósforo à mão?

Pergunta-me tu. Poema. Vestígio de pétala manuscrita. Desejo de esfarrapar a voz contra às claves que se soltam à gargalhada e continuam de pé. Rosnar pedaços de chuva caindo em pó. Uivar baixinho estouros de batuque que tombam acelerados como bofetadas nos tambores. Rugir sussurros chilrear danças malcriadas que se esfregam embatem rolam e rebolam no corpo. Desabotoar o mar ao meio com rimas amarrotadas. Correr como uma bala de açucar até à boca da janela. Lançar-me às palavras com gula. Largar vírgulas em cima deste texto e mandar parar o caminho com semáforos de papel.

Aquietar as asas que bato aqui. Deixar o pensamento cambalear no ar como flores respirando às escondidas os últimos pingos de Primavera. Abrir os braços. Espreguiçosos. Beliscar-te o sono o sabor o cheiro a cor e a pele. Só para ver se és mesmo sonho. Abrandar. Trocar estes cinco milímetros de felicidade por nenhum poema à beira-lágrima. Porque é tão bom. Poesia. Respirar isto. Nem que seja só por um pouco. Para sempre.