quarta-feira, 15 de junho de 2011

Levantei-me tentando afastar o sono do rosto com as mãos. O corpo cambaleante, vagaroso. Que horas são? Dei uma olhadela no relógio. Faltam 360 graus de poesia para a vida começar. Seja como for, ainda é cedo. Descalcei o tapete por baixo dos pés e dirige-me à cozinha. Passei o rascunho a limpo no lava-loiça. Esfreguei-lhe as sílabas até ficarem quase tónicas. O que aconteceu? Aparentemente, nada. Quando o vazio flutua à tona das palavras o melhor é abrandar a escrita para que os sentimentos não se sujem com pautas de silêncio.
Coloquei a folha em cima da mesa. Deixei-me estar à beira do texto em vez de sacudir a imaginação. Se conseguíssemos domar o vento, talvez fosse fácil roubar do mundo a eternidade e distribuí-la às borboletas. E depois? Depois andaríamos de máquina fotográfica ao ombro como se o poema, enfim, fosse um lugar fotografável, no qual pudéssemos captar mais qualquer coisa além da realidade.
Dirijo-me à janela. Isto é, abro a palavra na ânsia de me arejar por dentro. Avanço em direcção às margens sem olhar para os lados. Avanço com vontade de arregaçar as mangas e mergulhar Tejo a dentro mesmo sabendo que nem todos os rios sabem nadar. Avanço de versículo em versículo disposto a aceitar a vida, instante que nos convida a ser felizes, embora sejamos infinitamente provisórios. Avanço tentando pendurar a voz na corda vocal mais perto da língua, pois cansei-me por descarregar frases sinuosas sobre pedras como se a poesia fosse apenas uma grande mala carregada de cansaço.
Cheguei. Agora, deixem-me terminar o poema, não sei por onde começar. Mas que poema? Que palavra? Que caminho é esse que nos faz andar de um beijo para o outro à procura de um abraço? Pode lá ser poesia uma coisas destas!