quarta-feira, 28 de maio de 2008

Prefácio

Por um dia não me vou esmagar contra as metáforas. Despir-me diante de personificações e outras figuras do mesmo estilo. Hoje vou lamber a crosta da tua língua. Perseguir os vestígios e as pegadas da tua voz a declamar o absoluto num tom soprano. Sequestrar o hóspede que tens alojado no coração e substitui-lo por mim. Com um pouco de amor. Um pouco de nós. Vou exigir a eternidade com entrega ao domicílio! Com um pouco de noite. Um pouco de sonho. Descalçar-te a maquilhagem. Aleijar-me na sombra trémula sem arrefecer os teus sentimentos à luz de vela. Com um pouco de lágrima. Um pouco de nós dois. Refugiar-me no prefácio da tua timidez. Aceitar-te suja de embriaguez com nódoas cosméticas no rosto. Aceitar a finitude ininterrupta da vida como quem nega ter nas mãos uma raríssima pedra de alcatrão que não vale um minuto da nossa despedida. Daqui a pouco. Não sei! Por um pouco tão pouco não sei se sobrevivo ao perfume das flores que plantei debaixo da minha cama. Não sei. Desconheço os adjectivos com os quais qualificas o meu interior quando retiro a maquilhagem e me desconstruo cá dentro em palavras sem piruetas nem malabarismos fúteis. Não sei e nem quero! Por um dia não me vou amachucar como uma folha de papel. Uma folha talvez com mais um daqueles poemas exagerados com antídotos infecto-contagiosos. Sim! Inevitavelmente. As palavras são contagiosas. Infectam com o seu odor, a sua fragrância. Por um dia?! Só se tiver mais do que vinte quatro horas! Mais do que sorrisos postiços. Mais do que este amor paralelo em promoção no mercado negro. Mais do que o abismo do dia seguinte. Tão pouco…

Posfácio

Hoje, com um pouco de espanto vou sobreviver no presente do indicativo do teu futuro. Com um pouco de verdade. Um pouco de nós. Abrir-me à essência dos factos e afectos. Apanhar delicadamente um susto do tamanho do dia-a-dia com o desperta-dor matinal. Estoirar com a ampulheta que nos abrevia o tempo que nos resta. A teimosia que nos arrasta. Os restos de poesia que nos restam. Com um pouco de nós dois. Brotar. Germinar. Em flor. Na lista de espera à espera um do outro. Um do outro com um pouco de amor. Um pouco, mas, que seja!!
Que seja amor. Um caso à parte. Parte de êxtase. Parte de mim com um pouco de ti. Parte tudo o que quiseres! E parte. Vai! Busca no teu posfácio o instante de ser. Que sejas! Cócegas que me fazes com o olhar. Que sejas! Gaguejos que tento dizer com as mãos. E te sentem tocar. Mas sigo cego o caminho que a vida é. Com um pouco de audácia. Com um pouco de mim. Arranhas as noites e a almofada. Transferes a saudade para o outro lado da cama. Dás a língua à palmatória em nome dos beijos que não escreveste no meu rosto. Antes de adormecer tomas vitaminas para o silêncio que te afaga. Ao acordar tomas analgésicos para a solidão que te vai escoltar ao longo dos vários desencontros. Com um pouco de gente. Com um pouco de nós dois a cambalear firmes com passos desarrumados. Daqui a pouco estarás curada. Pronta para outro!
Só nos resta recolher do chão os zeros à esquerda da fervura que nos envolve. O que importa isso? És um algarismo à esquerda do amor? O que importa? Quando há tantos outros limites com tão pouco tempo de ilusão? Com um pouco de alma. Um pouco de nós. O poema germina. Seja qual for a semente que te entrar pela emoção adentro.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

quinta-feira, 22 de maio de 2008

quinta-feira, 15 de maio de 2008

360 graus de silêncio

Atrevimento para esculpir vocábulos delicados, atrevimento para pintar fábulas vertiginosas calcadas por uma sólida crença de esperar por mim, retalhos que mordem as linhas tortas incertas por verdades que só Deus me pode revelar, ilustrações polvilhadas com pólvora verbal, episódios poéticos ainda que imperfeitos e descartáveis como uma verdade que amanha será outra coisa, fábulas paridas de uma inspiração febril e desobediente, fulgurante e impaciente...
Enquanto espero...
Não me falte nunca atrevimento e ousadia para cuspir palavras ásperas e incorrigíveis. Não me falte nunca um farol para me manter bem acordado, bem ancorado na realidade. Que não me falte nunca um poema na linha da frente do meu combate. Não me falte nunca a tua ausência nem as partes íntimas de um pecado qualquer sem piri-piri. Nunca me faltem as noites em que empresto bocadinhos de mim ao exercício maternal de dar à luz 360 graus de silêncio.

Mesmo que um dia cometam o delito de chegar tarde ao meu enterro ainda me encontrarão em vida. Interminavelmente próspero!!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Paradoxos

Acariciar-te a sangue frio sem lubrificar a minha língua, domesticar os teus gritos no crepúsculo em brasa no teu olhar, ser vegetariano e antropófago na ausência dos teus lábios,

Quem?

Detectar os pontos essenciais do teu corpo protegido com arame farpado, arrancar as raízes que te prendem ao olhar choramingas com o qual desfilas nas ruas, armadilhar as tuas ilusões com um sopro de ironia e algum erotismo gracioso,

Quem?

Ensaiar um sorriso diante do espelho, ensaiar uma declaração de amor, sair de casa esquecendo o sorriso no espelho e a declaração no interior das cordas vocais e, de repente, ter que improvisar o espontâneo diante da realidade feroz esplendidamente fértil,

Quem?

Semear um relâmpago nas nuvens, agarrá-las pelo colarinho, esbofeteá-las até ressuscitarem as lâmpadas fundidas do teu talento para reinventar um novo amor,

Sim, quem?

Hei-de descobrir o endereço dos teus segredos ilegítimos, hei-de largar esta abstinência de ti e deixar-me desviar pelo vício de te proibir a respiração com golpes de poesia, hei-de passear por ti em sentido inverso, distribuir-te o melhor papel na encenação, coagir-te com meiguices a representar que não estás a representar quando a tua boca deita fora um beijo em minha direcção, sepulta-me os destroços da minha sombra, corrige os traços oblíquos do meu rosto,

Quem?

Logo pela manhã, pentear-te o cabelo, os delírios, as lágrimas, a solidão, a voz hesitante, o corpo todo despenteado, o sono descabelado, o pijama enrugado, logo pela manhã, não ser vulgar, ser obsessivamente cúmplice das noites remuneradas com a tua carência afectiva, trair-te com outra, sim, seduzir uma outra fracção de eternidade, atrair-te ao folclore de palavras com alma, vazias por dentro, fragmentar o medo de te ouvires a ti própria, impedir que em mim se infiltre o teu suor, a metamorfose dos teus presságios de esperança e…

Quem?

Quem te vai relembrar a razão da tua vida quando não mais tiveres razões para recordar a tua memória? Quem irá preencher a textura do teu vazio trágico quando de ti o mundo ficar cheio? Quem irá dar sangue aos teus versos quando a inspiração te fugir do peito? Tirar fotocópias aos sonhos demitidos a meio do caminho, quem? Quem vai? Ler as palavras contraceptivas que fizeste desabar no útero dos poemas, ler-te sonetos quando tu desaprenderes a ler com as sensações, quem? Adivinhar as tuas mãos quando os teus dedos se fecharem, quem vai olhar por ti o mundo quando os teus olhos avistarem o deslumbramento absoluto, quem te vai amar e desamarrar dos paradoxos deste silêncio audível nas folhas em branco?
Quem?! Quem és?