sábado, 2 de janeiro de 2010

Insolitário
Quando estiver quase a adormecer passem-lhe o sono pela torneira da água fria. Desatem o nó aos soluços que atravessam a garganta. Façam-no sentar à esquerda dos versos que mais não são que duetos com outras solidões. Risquem a pele os nervos a voz os pulsos com lâminas de encurtar distância. Quando estiver quase a amar. Não lhe ensinem amor como fazer de conta que se desfaz em conto de fadas.
Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz a despedida. Tentem bebedeiras de palavras à toa e mostrem-lhe com quantos copos se enche uma noite vazia. Quando estiver quase a escrever. Interrompam-lhe as mãos várias vezes para que não remende as varizes do tempo. Não o deixem cozinhar o amor. Há de comer assim mesmo. Palavra a palavra. Até ficar cru.
Quando estiver quase a chegar. Destrancem fios de água doce em aquários doutros pássaros. Anestesiem-no com beijos que sobejam dos próprios lábios. Tirem a mania de reduzir nuvens a cinzas e esbofetear borboletas com candura suave de rapina. Atirem-no ao acaso com a força dócil das ondas e mergulhem este sonho feliz que se senta no colo dos versos como se um minuto fosse o instante lento que se senta segundos antes do despertar de quem não tem ainda o que sentir.
Oxalá a lua não o ponha a dormir até perder o sono das vistas. Oxalá o coração aguente mais um solavanco e espere tranquieto antes de mandar lixar os vários destinos que o destino é. Quando a voz lhe envelhecer nas palavras. Puxem-lhe os passos na direcção contrária do olhar. Lancem-no sozinho contra a cama e retirem as portas do casulo para quando entrar bater com o nariz no perfume das flores que não plantou. Quando estiver quase a descobrir. Destapem-lhe o futuro da frente e coloquem lá outra coisa que não seja passado. Leiam os gestos os dedos as mãos os braços a carne e gastem-lhe os caminhos de tanto andar a pé.
Quando cair num sonho feliz. Respirem-lhe os versos devacarinho para não doer. Deixem-no escapar tranquilo e quieto nem que seja por um triz ou por um triste corpo devoluto.
Lembrem-lhe que com as palavras não se brinca. A menos que seja para dizer coisas sérias.

22 comentários:

Lara Amaral disse...

Após ler isso, sem dúvida, cairei no sonho feliz dos justos e insones.

Não há como ler-te, pois assim que começo essa tarefa, já me vejo mergulhada em suas palavras.
Lindo aqui! Desde a primeira vez que vim, acompanho-te sempre.

Seria uma honra receber-te lá no meu Teatro da vida.

Beijos e um ótimo início de ano!

Unknown disse...

Palavras ... lutas...desejos...
Tantas coisas se podem comparar a uma bebedeira de palavras ou pesá-las numa balança desafinada por tantas contradições.....
Um abraço e votos de um novo ano 2010 mais justo e fraterno onde as palavras nasçam com mais amor e respeito até pela própria palavra.

Atena disse...

Meu amigo Eduardo (permita-me que lhe chame assim), que espanto ler as coisas que escreve, penso-o como um homem de emoções profundas e de pensamentos maiores que si próprio.. ainda assim, vai conseguindo transpôr muitos por palavras, de uma forma francamente única!
As palavras têm um condão que talvez nem toda a gente percepcione bem... se ditas muitas vezes, e quando saídas de uma boca com alma têm o poder de levar-nos por caminhos impensáveis... Para o bem e para o mal.
Continue mostrando essa arte que me sabe tão bem consumir... eu continuareí por aqui, firme e hirta, feliz por haver gente assim.
Grande abraço e bom ano

Pena disse...

Genial Amigo:
"...Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz a despedida. Tentem bebedeiras de palavras à toa e mostrem-lhe com quantos copos se enche uma noite vazia. Quando estiver quase a escrever. Interrompam-lhe as mãos várias vezes para que não remende as varizes do tempo. Não o deixem cozinhar o amor. Há de comer assim mesmo. Palavra a palavra. Até ficar cru..."

"Isto" é DIVINAL!
Sem palavras pela beleza.
Excelente 2010.
Abraço GIGANTE.

pena

Bem-Haja, Fabuloso amigo!

Carla disse...

Foi bom, muito bom, entrar no ano a ler-te !!!

bj e bom 2010

Poemas e Cotidiano disse...

Hedu querido!
Passei um tempo meio "dormida", tantas coisas juntas...nem da pra explicar.
Mas hoje estou aqui para ler essa maravilha que voce escreveu. Como voce me emociona! Nao sei como voce pode escrever tao lindo, e com tantas metaforas maravilhosas e inteligentes.
Coloquei uma no meu Blog, que achei magnifica.
AMO, verdadeiramente AMO o que voce escreve!
Feliz Ano Novo meu querido!
Beijos carinhosos
MARY

Graça disse...

É sério o que fazes com as palavras! Um caso sério de criatividade pura.

"Oxalá o coração aguente mais um solavanco e espere tranquieto antes de mandar lixar os vários destinos que o destino é."_________ oxalá continues a ser este ser lindo, meu querido Eduardo.

Um beijo, com tanto de nosso.

Anónimo disse...

meu querido adoro as coisas q vc escreve, e nesse momento de saudade em q me encontro ler suas palavras me fazem bem e n me deixam sentir tão só, pq sei q existem pessoas q sofrem do mesmo mal q eu e ainda assim sabem se expressar tão perfeitamente tirando do peito as palavras q nos sufocaM.

feliz ano novo.

bjosss...

Maquinaria de Linguagem disse...

Palavras, palavras que caem ao Sul do Brasil, ao léu esse poema me arrebatou. Abraço

Carmem disse...

...com palavras não se brinca...

sensacional.

bjussss

Cláudio Schuster disse...

Muito bom começar o ano com a descoberta desses ParadoXos. Abraço e seja bem-vindo ao beba poesia!

Margarida Fernandes disse...

Brilhante...

Fê blue bird disse...

Tenho que ler e reler várias vezes os seus maravilhosos textos.
Cada palavra é um poesia, cada frase um mundo que sempre me transporta para lá da imaginação.
Continue inspirado assim para 2010 são os meus votos sinceros.
Um abraço,

Marii Andrade =) disse...

perfeitas palavras.

parabéns

=D

Miguel disse...

"Com as palavras não se brinca" e no entanto há por aí tanta gente que fala sem pensar, que as usa como armas, que as usa em forma de mentiras travestidas de verdade. As palavras foram inventadas para nos aproximarmos, para unir em vez de separar, para expressar, aliado a gestos e olhares sentimentos. Todavia são ainda demasiados aqueles que se servem delas habilmente vendendo ilusões ou que as usam como uma bola, pontapeada aos repelões, de cá para lá num pelado de emoções. Cada poesia em forma de prosa que aqui descubro é sempre como uma pequena ostra onde se esconde a mais brilhante das pérolas, a do pensamento. Cada palavra que venho encontrar tem esse condão de me fazer pensar. Parabéns e obrigado por escrever da forma que escreve, fazendo de cada texto um colírio para a vista.

Dry Neres disse...

Às vezes meus olhos sentem preguiça das palavras... E eu simplesmente reboco-os com leituras corridas... Mas quando venho aqui, paro em cada letra em cada ponto que não existe. Permito-me derramar lágrimas do corpo e dormir nas verdades suas tão já minhas.

"Tranquietos" - Um salve para os novos léxicos e arpejos poéticos!


Você é meu íntimo... assim vizinho!
Eu o amo em poesia!

"Atirem-lhe contra a cara um balde cheio de poemas e mostrem-lhe com quantos beijos se faz a despedida".

E daqui do Brasil declamo a ti poeta paradoxal: Esplêndido e Colosso!

Saudades nossas... Beijos de fascínio...

© Maria Manuel disse...

quando estiver quase... quando estiver quase...quando estiver quase... «Lembrem-lhe que com as palavras não se brinca». nem com o amor. nem com a vida.

excelente texto, como sempre!

bom ano.paz.

vieira calado disse...

Vou experimentar a receita...

em lume brando...

Um abraço.

Beke rebecabekelee@gmail.com disse...

É bom te ler.

Bjos

Joanne disse...

Hey, adorei ler estes poemas em prosa, espero que a tinta dos teus pensamentos nunca acabe para poder saciar a minha mente com mais.
Já te adicionei no messenger.
Beijos!

EDUARDO POISL disse...

-- Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba.
Não ame por admiração,
pois um dia você se decepciona.
Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação.
Madre Teresa de Calcutá

Desejo uma linda semana com muito amor e carinho.
Abraços

Guerreira LUENA disse...

Caro Heduardo,
Fez-me bem ler os seus textos em prosa poética: uma delícia literária!
Creio que está definido o género (literário) que melhor domina, e espero ler muitos mais textos de sua autoria. Continue.
Um abraço Mangolé.
Aqui deixo um poema meu, curto, mas denso, que define parte da minha filosofia:
AO POETA
E o que é a vida
se não
um constante
dobrar de cabos
atormentados
de passarem a dor
para além-dela
de mares feita
ai de nós
jamais cumpridos