quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

360 graus de Amor
Não quero poesia nos meus poemas sobretudo aquela cuja pele é farrapo e cansaço e gume e pulso e âncora inútil ilusão. Talvez poesia seja só pretexto para arrastarmos as palavras connosco. Sim. Arrastar palavras pelo braço de uma frase e de repente apagar a frase e o braço e largar fonemas a pique de encontro ao coração metáfora. Talvez. Talvez não queira palavra nos meus poemas só por haver silêncios que nos quebram a fala. Talvez não queira poema na minha poesia só porque tenho coisas imaginadas em horas de não ter mais nada que fazer.
Poema não quer ser poesia quando te sentas à porta das palavras à espera que entre um verso e outro verso entrem pela janela frases perfumosas que não saem nem amar-te lada. Talvez o amor não queira ser diminutivo tão rapidinho tão ilusãozinho tão pouquinho até no tamanho. Talvez isto seja só a minha âncora farrapo palha falhaçada inútil amassar de pão que como em dias tão nossos como ninguém.
As árvores e as aves as sombras e o ombro que te encosto à cabeça. São protestos de te dizer em voz doce: Colmeia-me o silêncio pólen de poesia. Pedra-me sete pétalas na mão e atira-me o primeiro enxame que encontrares preso à ponta de um ramo. Dorme trezentos e sessenta graus de amor em vez de borboletar asas onde não tens queda para o voo. Alma-me a torto e a direito como uma manada de búfalos correndo desenfreada. Poema-me segredo ao ouvido num movimento leve de vai e vento. Chove-me com saliva enquanto a poeira não assenta e eu escrevo. Pesa-me tanto o sono dos teus olhos. Dá-me um grito para me calar. Dor-me. Não me doas o optimismo que dou ao mundo mesmo sabendo que o abismo cabe no intervalo entre duas vírgulas. Alegria-me com lágrimas de estimação inventa outra alegoria com barquinhos de ver passar. Luz-me clarão aceso pintado cor de areia. Rio-me com mar nos lábios para pôr as ondas no gerúndio. Caminha-me descalça com as mãos presas à vida onde sou ida e volta de uma viagem inadiável. Melodia-me com voz de vidro a partir mas antes de abateres a porta deixa dois ou três beijos para eu ir beijando monolabialmente.
És a sanzala. És o chão. És pulseira. És missanga. És brinco com versos pendurados. Brinco descaradamente sobretudo quando palavras não querem ser poesia. Brinco preguiça de poema com cara de quem acordou dum sono em que não dormiu ou brincou. Brinco. Mas nunca o mau gosto de trincarmos dias que passam sem deixar rosto no corpo. Só porque és o chão. És o caminho. Escrita. Escama. Esmola. Estudo para mim. Porém. Livra-me do livro dos teus queiciumes. Tu. És tudo. Sobretudo. Esperança.

33 comentários:

Otário Tevez disse...

há muito tempo,
um poema magoou-me...
...rasguei-o com as mãos,
e hoje sofro saudade.
em silêncio.
porque as
palavras
já de nada
valem...

Felina Mulher disse...

Caracaaa...tu sabes jogar muito bem com as palavras...muito mesmo!
Vim te agradecer a visita e pedir que voltes sempre...estou a seguir teus rastros.

beijos_______________Felina.

Pena disse...

Prodigioso e Escritor Sublime Amigo:
"...Não quero poesia nos meus poemas sobretudo aquela cuja pele é farrapo e cansaço e gume e pulso e âncora inútil ilusão. Talvez poesia seja só pretexto para arrastarmos as palavras connosco. Sim. Arrastar palavras pelo braço de uma frase e de repente apagar a frase e o braço e largar fonemas a pique de encontro ao coração metáfora. Talvez. Talvez não queira palavra nos meus poemas só por haver silêncios que nos quebram a fala. Talvez não queira poema na minha poesia só porque tenho coisas imaginadas em horas de não ter mais nada que fazer..."

Que "coisa" mais linda e sublime de talento.
Divinal e perfeita.
Trata as palavras de forma fantástica. Parecem que saiem como por magia.
Excelente e notável, amigo extraordinário!
MUITO OBRIGADO pelas suas palavras amáveis deixadas expressas no meu blogue que adorei.
Abraço de respeito e estima enormes.
Com admiração constante

pena

Fabuloso!
Bem-Haja, pela sua amizade que é recíproca, divinal Amigo GIGANTE.
Parabéns.

Val Du disse...

Amigo!
Ainda existe esperança?
Ah! então está tudo bem.

Belo texto.

Um beijo.

Dry Neres disse...

Inenarrável!

Vem mais pra perto... Com você o reino das palavras parece o paraíso... Não tem hífens mal colocados; não tem agudos que machucam... Com você, a vírgula acalma, o ponto enfeita... a língua se renova sempre!

Amo-te, amigo!

Beijos de fascínio longo!

José disse...

A palavra que aproxima as pessoas é a que eu mais gosto.

Um grande abraço,
José.

Fátima disse...

Se contudo permite ainda a esperança, já me alegro.

Tomar das palavras e usá-las dessa forma, é pra poucos e bons.
Parabéns!

Abraço com carinho.

Elcio Tuiribepi disse...

OLá...obrigado pela presença lá no Verseiro...
Tem um estilo todo próprio de brincar a a sério com as palavras...
Um abraço na alma...

Nanda Assis disse...

n sei nem comentar, simplesmente, vc é demais.

bjosss...

_Sentido!... disse...

... céus!...

Fê blue bird disse...

Cada palavra sua é um poema, cada frase leva-nos ás alturas da imaginação de todos os blogues que sigo aqui é onde eu perco mais tempo a saborear a sua ímpar maneira de conseguir dar vida ás palavras!
Invejo-o não consigo evitar!
Um abraço

Everson Russo disse...

Belissima construçao em palavras de amor,,,,conseguiu expressar bem todos os sentimentos guardados,,,,abraços amigo e um belo dia pra ti.

angela disse...

Muito interessante seus pensamentos e o uso criativo que faz com as palavras...e a gente sempre acaba falando da vida e dai falamos de amor.
Obrigada pela visita.
beijos

Justine disse...

Um líquido doce de palavras e silêncio, é isso a tua poesia. Um caminho. Uma esperança.Uma estética. Avida!
Abraço amigo, sempre:))

Miguel disse...

Li uma vez que a poesia é a arte de levar as palavras a passear e é isso que fazes. Podia escrever algo todos os dias e nunca tocar ninguém com as minhas palavras. Mais importante que ser constante é ser enleante. Baptista-Bastos disse entre ouras coisas que escrever não pode ser uma carreira. Carreira é coisa de eléctricos, de autocarros. Escrever é chegar com as palavras muito além do que imaginamos sequer, é dar-lhes asas e a dignidade que elas merecem. As palavras aqui têm asas e voam.

guvidu disse...

adorei, mano, sobretudo a 'ultima estrofe!
tem a tua garra/cunho original, a chama africana, o sangue 'unico que fervilha com tudo e com todos porque se envolve (e revolve) com o mundo que se acerca, que 'e dor, e amor.
360 graus de amor pela sua inevitabilidade, creio eu...
bj grnd luz paz

Virgínia do Carmo disse...

Gostei muito da criatividade na composição e no ritmo, da pertinência dos neologismos e da intensidade crescente do esboço emotivo!

Abraço

Cosmunicando disse...

não há um dos teus textos que não me emocione de formas inusitadas, e que não deixe atrás de si a trilha dos tudos e quases que evoca mesmo na "recusa" em ser poesia.

bem no cantinho de minhas palavras, faltam adjetivos quando passeio por aqui :)

um grande beijo

Andreia disse...

Que bonito! Afinal, há sempre alguém que nos é tudo! *

Lilá(s) disse...

Olá
Usar as palavras com ritmo e criatividade é uma arte e por aqui há arte!
Bjs

vieira calado disse...

Um texto interessante

com algum gosto a "dépaysement".

Forte abraço

Ana Tapadas disse...

Excelente prosa poética, excelente conceito de Poesia!
:)
bj

Adriana Godoy disse...

Estive por aqui. Beijos.

Poemas e Cotidiano disse...

Edu, querido!
Hoje parei no topo de sua pagina... "As palavras são a varinha mágica dos ilusionistas que recriam a vida e nos deixam sem perceber onde acabou a ilusão e onde a realidade nunca existiu" Que coisa mais linda! Profunda! magnifica! Voce tem uma intuicao nas palavras que eh realmente incrivel.
Li esse texto seu maravilhosoooooo (e o anterior) e virei comenta-lo.
Aguarde.
Beijos querido, e saiba que eu o tenho em meu coracao. Sempre!
Mary

Anónimo disse...

Não tenho palavras para comentar o "poema"
não é costume. mas pronto. não tenho. o que queres Dudu?

olha:

"Talvez não queira palavra nos meus poemas só por haver silêncios que nos quebram a fala."


o resto dir-te-ei pessoalmente.



Nómada

Mar Arável disse...

Um belo concerto de palavras

em riste

Força

Gerana Damulakis disse...

Um texto e tanto; vibrei com a força das palavras.

© Maria Manuel disse...

numa fabulosa linguagem poética, a urgência de uma poesia pura e, principalmente, de amor puro, genuíno, que deixe rasto, como diz o texto.

abraço.

Amor Imperfeito disse...

Gostei do blog.

Sérgio disse...

Sinto nos teus poémas uma grande africanalidade que so os verdadeiros africanos conseguem-no descrever e transmitir.
Tem autenticidade e legitimidade social.
Parabéns.Mais uma vez.

sérgio conceição

A OUTRA disse...

Belo jogo de palavras, onde a poesia está em cada uma delas!...
Assim é que se deve amar.
Maria

Unknown disse...

"Mas nunca o mau gosto de trincarmos dias que passam sem deixar rosto no corpo(...)"
O ser humano está sempre sob uma fronteira, olhando o interior de si, ele olha nos olhos do outro.
Vejo meus olhos nos seus.

A OUTRA disse...

"Talvez poesia seja só pretexto para arrastarmos as palavras connosco."

Gostei disto, como aliás gostei do que se segue.
Ali tudo faz sentido para quem lê sentindo.
Bom fim de semana
Maria