quarta-feira, 23 de junho de 2010

Agarra-me! As palavras doeram-se. Por agora o poema é o lugar onde adormeço quando não consigo escrever o sono. Agora é inútil engolir versos como se fossem beijos. Em seco. Em delírios que se curam à chapada. Em poesia que poisa em nós quando o mundo não está. Em carícias silvestres que te arranco das mãos para plantar na pele da água. Em poemas que falam quando os homens neles se calam a si próprios.

Por tão pouco.

Envolvo nos braços o abraço com que me agarras. Rastejo rios como se fossem um Tejo à beira dum sentir ausente. Enrolo-me nos dedos por onde masturbo noites como se fizesse amor na véspera do infinito.

Por tão pouco.

Parto a voz em pedaços de música como se os poemas fossem fios de água morna caindo pingando vertendo em gotas de areia. Trinco bolas de sabão de tão querer buscar-te sonhar-te dançar-te desejar-te loucuramente. Tanto. Meus Deus! Tanto.

Por tão pouco.

Existo-me de um lado para o outro. Ponho canções nestes lábios que se entrebeijam em valsa convulsiva. Bebo-lhes o tinto e o fruto. Devoro palavras até atingir a embriaguez. Com alento. Com força. Contudo. A poesia não interessa quando a solidão se entorna maior do que versos dentro da boca.

Por tão pouco.

Quantas cócegas irás sorrir de mim quando a realidade te coagir a devolver as alegrias que a ilusão te emprestou? Não sei. Invento-me como se fosse Outono. Faço folhas cair desengonçadas ao cair do dia. O ar agita-se impetuoso mas é dentro do peito que se faz mais. Mais incompletamente. Mais uma inventania de frases em direcção ao não sentido. Por tão louco sentir que é teatro.

Por agora. As palavras amaram-se. Outros lançam traços de tinta contra as paredes para escrever auto-retratos. Quando muito desenho auto-poemas e ainda não lancei nada. Mas não me queixo de barriga vazia. De poesia estou eu cheio!

Por tão pouco.

Quem me dera desinscrever-te na memória. Saltar o muro dos teus murmúrios de um momento para o outro. Pedir-me em namoro dos pés à cabeça sabendo de antemão que a resposta virá depois do esquecimento. Pedir-te que sejas névoa lume casulo nódoa de espuma que florescéu azul. Cansar-me de rascunhos sobre nós e começar a escrever sobre viver.

Por tão pouco.

Quem me dera alugar os teus olhos para com eles inventar outro espelho. Ser todo imenso. Todo verso de uma ponta à outra. Recém-nascer dum parto qualquer e escapar por ventre aspas e asteriscos. Chegar ao fim desta estrofe. Aninhar-me no colo das metáforas só para ver as palavras sorrir.

Porque na verdade. Elas sorriram-se! O poema é o lugar onde vamos acordar quando um dia conseguirmos escrever o sono.

Errata
Onde se lê agarra-me, deve ler-se h-rra-me.
Onde se lê embriaguez, deve ler-se embriagaguez.
Onde se lê alento, deve ler-se além-tu.

52 comentários:

Rúbida Rosa disse...

Amo o que escreves! As imagens fazendo parte dos poemas, os poemas das imagens...
Lindo!

OutrosEncantos disse...

Por tão pouco...,
loucuramente tanto!
Não há palavras como as tuas!

Beijo

Anónimo disse...

O verso derradeiro da sua prosa poética é de matar.

Muito bom!

Abraços.

guvidu disse...

a rre ba ta dor!!!
(estás apaixonado?)
«Aninhar-me no colo das metáforas só para ver as palavras sorrir. » - adorei.
és dos meus escritores predilectos, nada a fazer...bj mt grnd

Fê blue bird disse...

O meu amigo veio cheio de garra e poesia.
Único por aqui. Parabéns!
Um abraço

Nadine Granad disse...

Erratas tão belas quanto todo o conteúdo poético!... Intenso!!!


Abraços carinhosos =)

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo
Simplesmente belo o teu texto.
Solidão e poesia, ligadas sempre.
Adorei ler o que tão bem descreves.

beijinhos
Sonhadora

OutrosEncantos disse...

Reincido nas leituras de ti, porque saber ler-te é um verdadeiro desafio.
E neste momento, acabei de descobrir que a tua errata, é um segundo poema, ou será no dia em que conseguires acordar no tal lugar com que sonhas.
És de facto fantástico no teu saber usar e abusar das palavras!
Beijos, Poeta!

Pena disse...

Oh, Genial e Fabuloso Amigo:
"...Envolvo nos braços o abraço com que me agarras. Rastejo rios como se fossem um Tejo à beira dum sentir ausente. Enrolo-me nos dedos por onde masturbo noites como se fizesse amor na véspera do infinito..."

Simplesmente, de Excelência.
Parabéns. Soberbo e perfeito.
Abraço forte de uma amizade sincera.
Sem si a Blogosfera perderia imenso.
Com respeito e estima enormes.

pena

Inacreditável. Um talento admirável.
Bem-Haja, precioso amigo.
Adorei.

Daniel Costa disse...

POARADOXAS

Uma exlente prosa em jeto de poesia
e o TEJO aqui tão perto, como se fora um largo poema.
Daniel

Justine disse...

A re-invenção do modo de escrever o amor. E a vida. Por Tanto!!
O teu beijo aqui fica, admirando-te:))

Fá menor disse...

Eu também parto a voz em pedaços de música... por tão pouco e por.tanto
.
saudades tuas.

Bjins

AC disse...

Pela embriaguez do poema feito vida.
Por tanto!

Abraço

Insana disse...

Lindo como semper me encanta..

bjs
Insana

paulo da ponte disse...

As tuas palavras que me entraram na alma, como ópio, como esquíolas lenhosas na cama deserta.
Voltarei a estes paradoxos, na cíclica água das marés...

A Contemplação da Árvore disse...

"A poesia não interessa quando a solidão se entorna maior do que versos dentro da boca."

Metaforicamente poético =P

Muito boa escrita. Adorei.
SusanaSousa

O Neto do Herculano disse...

Sempre adormeço nos meus poemas.

Dry Neres disse...

Infinito você é!

Não sei dizer da tua poesia... Ainda não soube inventar nenhum léxico para isso!

Amo-te!!

Anónimo disse...

rsrsrrs... Grata pela visita e venha fazer-me companhia, segue-me... Quanta pretensão a minha!

Pat. disse...

Se querias encantar-me conseguiu! Aliás, emocionou-me com tuas lindas palavras. Impossível não lê-lo mais... e aqui fico, me instalo!

Um beijo com carinho e muito obrigada por tua presença linda em meu blog.

Gerana Damulakis disse...

O último verso, ou melhor, a última frase poética é arrebatadora.

CarlaSofia disse...

Fabulosas imagens!

Maria Ribeiro disse...

GRANDE VERDADE, HEDUARDO: os dois últimos versos!
Adorei o teu comentário, adoro a irreverência da estrutura poética, da estrutura e da melodia.
ABRAÇO
LUSIBERO

Maria Ribeiro disse...

NOTA DE LUSIBERO: "ESTRUTURA" ,na "2ª vez ,está ,desnecessariamente, a mais

Lídia Borges disse...

Originalidade na forma de não escrever o poema escrito... Maravilhoso!

L.B.

Sylvio de Alencar. disse...

Caramba!!!
Caudaloso!!!!
Viaja-se nos vários parágrafos!
Figuras mil, de linguagem!

Sabes como usar as palavras, e o fazes com bastante sentimento (que é, também, o que impressiona).

Abrçs.

♪ Sil disse...

Encantadaaaaaaa com o que escreves.

Sigo-te!

Um abraço!

Ava disse...

Moço. ler voce é embriagante como um absinto!
As palavras se despem para voce, e posam de musas, enfeitando sua poesia...
Estou deveras encantada, e por aqui estarei sempre a ler-te.


beijos!

Anónimo disse...

Olá amigo, belissimo poema, adorei obrigado por seguires o meu blog, vou passar por aqui mais vezes,
Um grande abraço.
Santa Cruz

Glauber disse...

Parabéns pelo blog! Onde reina a sensibilidade é mais fácil se empatizar.

isa vieira disse...

Fiquei muito feliz com a tua visita, pois só assim aqui vim dar. Será um paradoxo? Ou apenas uma armadilha sã e doce para podermos assistir ao festival da arte? A tua pinta com palavras. A minha tenta as imagens... O tempo nos mostrará o percurso a seguir, mas o teu terá, sem dúvida,uma forte âncora em qualquer porto de abrigo.
Obrigada pela visita e adorei simplesmente o teu blogue.
Bem hajas
bjs
Isa

isa vieira disse...

Ah e claro, ja te adicionei aos meus 3 blogues para que os meus visitantes também te possam ler. És um artista da palavra...
bjs

Guí disse...

Por tão pouco... e logo o extremo
Como é de mania da Poesia.

Soraya Barreto disse...

Fantástico, virei fã!

Marta Vinhais disse...

Por tão pouco...é dizer muito...
Brilhante....
Gostei imenso...
Obrigada pela visita...
Até já
Beijos e abraços
Marta

Ribeiro Pedreira disse...

Por tão pouco as palavras reacenderam a paixão.

Inês Filipa Assunção disse...

ADORO!
comenta quando quiseres, sempre bem-vindo.

elry disse...

lindo lindo...

Dalinha Catunda disse...

Olá amigo,

Suas imagens são tão convidativas quanto os textos que escreves.
Você encanta pelo conjunto,
Um abraço,
Dalinha

Licínia Quitério disse...

Muito belo. Por muito...

Obrigada.

Carla disse...

não escrevo o sono, apenas o prazer de te ler
alugo os olhos e o sentir neste poema de palavras derramadas em mim
saudades de aqui estar...
beijos em deslainho

Insana disse...

pasando para deixar uma boa semana.

bjs
Insana

sara maria disse...

Puro, lido num trago!

mnemosyne disse...

Um sentir que nos enleia...O pulsar das palavras...saborear-lhes o gosto. Belo, sim...

Beijo

© Maria Manuel disse...

um fabuloso poema entre a poesia e a vida.
uma forma de dizer que que o poema não é vida, enquanto for apenas lugar de adormecimento, de invenção, de teatro, lugar onde "o mundo não está", onde "os homens neles se calam a si próprios", onde "a solidão". uma maneira de dizer que poema só vale a pena se se tiver vida e poema deve ser vida, "lugar onde vamos acordar".


abraço.

Secreta disse...

POr tão pouco... o tanto que é!!
Beijito.

Nilson Barcelli disse...

A poesia em forma de prosa... no seu melhor...
Excelente, caro amigo.
Abraço.

Unknown disse...

Paradoxalmente, e dando a mão à palmatoria, achei uma loucura descobrir estes "seus" escritos.
Agradeço o ter visitado o meu blogue.
O seu é lindo, cheio de continuidades, de eternidades, de inspiralidades, de centralidades entre as imagens e os textos...
em que as imagens são textos e os textos a razão do nosso "imaginário".
Bem haja. Dou um "pedaço de graça" por o haver encontrado. Oxalá eu saiba sempre voltar a este "trilho", apesar de, por vezes, mais parecer um "labirinto". Perder-me-ei por aí sempre que fôr possível. Prosai e poemai. Faça disso um "ofertório", um "oratório" muito especial.
Vou ver se "arranjo" tempo para ir lendo desde o início do blogue.

Unknown disse...

Construir poemas nas ruínas. Um atitude poética desde a concepção ao resultado. Indiquei suas imagens para as aulas de literatura de uma amiga. Fantástico!

Alis disse...

Só o Teu v e r so... e o sono faz sonhar o poema…
...©em pa l a v r a para o sonho que só a Tua poes!a faz a almofada até a almo fada ter olhos abertos e mesmo assim sonhar…
O B E L O

Mto B E L O SEMPRE tudo o que escreves….

beijinho

Unknown disse...

Menino, que lindo isso. Talvez esse comentário seja "tão pouco", but in fact, é tudo o que eu tenho a dizer: "menino, que lindo isso".

Brigada pela visita aos meus Oráculos.

Um abraço "implosivo" d'além-mar! =)

Anónimo disse...

és fabuloso na tua prosapoema
na poesia da tua prosa

porque não escreveste mais, aqui?
sim, a tua poesia nas pedras é excelente, mas a crescente ebulição do sangue ao ler-te em prosa deixou saudades.

escreve outra vez, aqui!
beijo

Vento