terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Incólume

Agasalha a memória com lençóis de papel para não constipar a imaginação. Põe palavras ao lume e quando o poema começar a fer ver nos teus olhos troca-o por um doer mais brando e espalha cascas de ilusão em cada estrofe. Quero escorregar de sono e cair ileso nos teus braços. Mas por enquanto.
Por enquanto borboleta-me. Faz-me pousar lentamente sobre a paisagem que a si própria se vai desenhando no ar. Andorinha-me num voo sem peso. Fica comigo só mais um poema. Só mais um pé de aço de lenha. As asas. Essas não deites fora se na boca ainda tiveres bocados de solidão à procura do endereço dos meus lábios.

Aliás. Deita tudo fora! Sozinho-me bem sem ti.
Quero lá saber dos gestos suculentos com que despias noites enquanto me amordançavas os sentidos de um lado para o outro. Quero lá saber das vírgulas que não coloquei no coração por falta de espaço.
É o teu sonho que me interessa!
Mas sabes uma coisa. É engraçado como todos os caminhos se apagam quando os pés não sabem que direcção seguir. Do que dissemos só consigo lembrar este amo-te guardado entre a garganta e a voz que antecede o grito. Que antecede a chuva quando queres beber palavra e não encontras o copo onde largaste a sede. Quando queres digerir verso e não descobres o lugar onde a fome se esconde. De tudo o que dissemos. Ó amor. Só lembro vírgulas e no entanto ainda falta quilómetro e meio de ternura para que a vida se torne última morada das nossas memórias.
Se um dia nos envelhecermos um do outro. Pelo menos lembra-te que até as nuvens adormecem quando o peso do sono é superior ao da razão do choro. Lembra-te. Ninguém atrasa tempo a não ser para iludir os anos que traz diluídos no corpo. Ninguém boceja beijos que não deu se na boca tiver bocados de ilusão à procura de outra boca.
O agasalho emprestá-lo-ei a quem não tiver onde habitar o seu próprio vazio ao cair do sonho.
Descobre-me. Não te preocupes se a imaginação se constipar numa página em branco. Incólume.
Ninguém chega ao amor senão pela poesia!

20 comentários:

Diana Almeida disse...

pena ter retirado o seu poema-comentário do blogue colectivo... de qq modo, deixou um rasto até aqui que poderá ser seguido pelos mais afoitos.

Daniel Savio disse...

Bonito o poema, realmente lindo, mesmo que falando de um amor que não tem mais motivo de existir além da tristeza...

Fique com Deus, menino ParadoXos.
Um abraço.

Anónimo disse...

Toda imaginação perdida é salva pela sua poesia.

Forte abraço da sua fã!

Anónimo disse...

"Ninguém boceja beijos que não deu se na boca tiver bocados de ilusão à procura de outra boca"



não comento, não dá!

AZM

Anónimo disse...

passos são sons melodias inconfundíveis
nudez de outros passos sombras fomes e sedes
beijos bocejados nidificam nas asas das borboletas
(in)cobertos de certos de ilusões perdidos na poesia de outra boca

maravilhoso, o teu poema!

Anónimo disse...

Lindo teu poema.. suas palavras são encantadoras.

Beijo e ótima semana.

Areia às Ondas disse...

Como sempre e mais uma vez, que adivinho repetida no futuro, não há muitas palavras para comentar o que leio. Há a leitura e a interiorização, o desejo de as decorar até, para as dizer baixinho, numa busca de conforto com o belo, para as repetir (a alguém?), para nos consolarmos, porque se é possível escrever assim, então a Esperança vive!

Penélope disse...

Metáforas lindíssimas e bem desenhadas.
Ficar só mais um poema... assim, de poema em poema e nunca se ir...
Isso é lindo.
Gostei!
Abraços

Pena disse...

Sublime Amigo:
"...Por enquanto borboleta-me. Faz-me pousar lentamente sobre a paisagem que a si própria se vai desenhando no ar. Andorinha-me num voo sem peso. Fica comigo só mais um poema. Só mais um pé de aço de lenha. As asas. Essas não deites fora se na boca ainda tiveres bocados de solidão à procura do endereço dos meus lábios..."

Simplesmente, genial, fabuloso e perfeito.
Encanta e maravilha, sabe?
É uma preciosidade rara de ouro puro.
Sem palavras mais dada a pureza e notável beleza.
Abraço forte de uma amizade sincera ao seu preciosismo notável escrito de forma talentosa e fantástica.
Abraço amigo.
Com respeito, estima e consideração enormes e de fascínio.

pena

Bem-Haja, notável amigo.
É sublime no que constrói com dedicação e empenho fabulosos.
Adorei.
Divinal.

Carmo disse...

Ninguém chega ao amor senão pela poesia, esta é a grande verdade.

Um abraço

Boa semana

otário disse...

'borboleta-me', poderoso!

'a minha alma é um horário de comboios Mas de há 3 anos, e não serve já P'rá minha vida d'hoje. Há descrenças a cada hora'; Fernando Pessoa

Marina Marques disse...

é forte e muito sentido '$
obrigada
adorei o texto

Chris B. disse...

Tu é intenso do jeito que eu gosto.
Adoro imenso saborear tuas palavras e perceber tanto Amor ao escrever.

Saudades imensa daqui Edu Querido!

Tua presença no meu blog é uma Ilustre presença que irradia os melhores sentimentos por meu canto, lá!

Adoro imenso lê-lo e fiquei muito contente em sentir você.

Um beijo com todo carinho e amizade que lhe devoto.

Dry Neres disse...

Perfeito! É isso...

Amo-te!

Anónimo disse...

Amigo Lindo poema alem de falar de um amor que ~´a não tem motivos para existir e ser uma tristeza foi bem concebido e escrito de uma forma talentosa.
Um abraço
Santa Cruz

Inês disse...

Declaro-me completamente rendida às suas palavras que se encaixam na perfeição em muito daquilo que penso e digo (escrevendo) sentir.
É bom encontrar sentires semelhantes num dia menos bom!

Obrigada pela visita e pela dica.
Irei acompanhar.

CARLA STOPA disse...

Encantada com tudo que vi por aqui...Lindo...E eu, de imaginação constipada, provei da poesia e do amor...

Poemas e Cotidiano disse...

Que lindo Edu! "Andorinha-me num voo sem peso. Fica comigo só mais um poema"

"E que eu possa te amparar em minhas asas, nas estacoes eternas"...


Beijos carinhosos
MARY

MARGARIDA disse...

agasalhar... num abraçar?!... bj.és soberbo.

Lóide Mecongo disse...

Quero tambem ver poemas que expressam a tua gratidão ao Senhor por tudo aquilo que Ele fez e faz em nós!!!

Passion